Ranieri Sales, Mestre em Teologia Pastoral
Secretário-ministerial associado da Divisão Sul-America da IASD

Resumo: Este artigo trata da interpretação errônea que alguns fazem de I coríntios 7:15. Para estes, o verso permite ao cônjuge abandonado se libertar do voto matrimonial. O autor, entretanto, esclarece que esse não é um caso contemplado nas palavras de Cristo.

Abstract: This article deals with the mistaken interpretation of Corinthians 7:15 made by some people. To them, this passage sets free the abandoned spouse from the matrimonial vote. The author, however, clarifies that it is not the case if we take into account the words of Christ.

Com base em 1Coríntios 7:15, alguns intérpretes defendem a possibilidade para novas núpcias do crente que tenha sido abandonado pelo cônjuge incrédulo, mesmo que não tenha havido infidelidade. O texto diz: “Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz.”

A questão é: Esta passagem afirma que o abandono do cônjuge libera o que ficou para um novo casamento, mesmo que não tenha havido infidelidade ao voto conjugal?

É preciso estudar a passagem atentamente para ter uma resposta segura.

A parte problemática do texto é a afirmação de que, em caso de abandono, o cônjuge que permaneceu “não fica sujeito à servidão”. Alguns, precipitadamente, têm interpretado essa expressão como significando que o cônjuge abandonado não está mais preso ao voto matrimonial, podendo assim contrair novas núpcias. Por que esta é uma interpretação precipitada? Porque não há no texto uma referência explícita a novo casamento, como ocorre em 1Coríntios 7:39 e em Mateus 19:9. No primeiro caso, a liberação ocorre com a morte do cônjuge, e, no segundo, com a infidelidade ao voto matrimonial por parte do cônjuge. Em ambos é mencionada a possibilidade de novo casamento. A questão que deve ser respondida, portanto, é: O que Paulo quis dizer em 1Coríntios 7:15?

Em primeiro lugar, se o verso 15 está liberando o cônjuge crente abandonado para um novo casamento, haveria uma contradição com os versos 10, 11 e 39.

Em 1Coríntios 7:10 e 11, Paulo diz: “Ora, aos casados, ordeno, não eu, mas o Senhor, que a mulher não se separe do marido (se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que se reconcilie com seu marido); e que o marido não se aparte de sua mulher” (grifo nosso). E em 1Coríntios 7:39, diz: “A mulher está ligada enquanto vive o marido; contudo, se falecer o marido, fica livre para casar com quem quiser, mas somente no Senhor” (grifo nosso).

Vários comentaristas bíblicos nos ajudam a compreender as palavras de Paulo:

Alguma vez você já quis saber o que o termo “sujeito” realmente significa? O verbo no grego original é dedoulotai. O termo pode ser traduzido por “não está escravizado”. Significa algo diferente do que a maioria supõe. Muitos o lêem em 1Coríntios 7:15 e concluem que o crente não está mais ligado ao casamento e, portanto, pode se divorciar e até mesmo tornar a casar. Mas quando a Bíblia fala desse tipo de “ligação”, como em 1Coríntios 7:39 (“a mulher não está ligada enquanto vive o marido”), a palavra original para o termo é dedetai. Estas palavras no original não são as mesmas nos versículos 15 e 39 de 1 Coríntios 7.1

Obviamente, o termo “ligada” no versículo 39 significa a ligação conjugal (…). Mas o versículo 15 (sic) eu não acredito que a palavra “sujeito” signifique a ligação conjugal. Ele diz: “…em tais casos não fica ‘sujeito’ à servidão…” Eu sinto que se refere à sujeição, ou obrigação do crente em testemunhar ao incrédulo, ou se reconciliar com ele ou ela. O crente, no versículo 15, está isento dessas obrigações conjugais, mas não do casamento.2

A separação dá, pois, ao cônjuge cristão o direito de se divorciar  e se casar novamente? Paulo não disse isso. O que acontece se o cônjuge não convertido acaba indo viver com outro parceiro? Isto constituiria adultério e daria motivos para o divórcio. Mas mesmo assim, 1Coríntios 7:10-11 encorajaria perdão e restauração. Paulo não lidou com todas as situações possíveis. Ele declarou princípios espirituais, não uma lista de regras.3

Enquanto Paulo disse que não era apenas certo, mas desejável, permanecer no casamento, ele reconhecia a possibilidade de que alguns cônjuges pagãos deixassem seus cônjuges cristãos. Mas esta separação não excluía o crente da igreja. Neste caso, Paulo recomendou celibato contínuo ou reconciliação como soluções ideais. Em momento algum ele discutiu a possibilidade de um segundo casamento.4

Paulo diz que se o incrédulo insistir na separação, o crente pode aceitá-la e ficar em paz com a situação. Em tal caso, o crente tem as duas opções mencionadas em 7:11.5

“Não está sob sujeição” (ο’ δεδουλωται [ou dedoulōtai]). Indicativo perfeito passivo de δουλοω [douloō], sujeitar, foi sujeito, não permanece sujeito. O marido ou a esposa crente não está livre para se separar, a menos que o incrédulo ou pagão insista nisto. A deserção voluntária por parte do incrédulo libera o outro, um caso não contemplado nas palavras de Cristo em Mateus 5:32; 19:9. Lutero argumentou que o cônjuge cristão, deste modo liberado, pode se casar novamente. Mas isso não é claro de maneira alguma, a menos que o incrédulo se case antes.6

O Manual da Igreja, em harmonia com o pensamento de Paulo expresso na passagem em consideração, admite a possibilidade de divórcio motivado por abandono do cônjuge: “Motivos Para Divórcio. As Escrituras admitem que o adultério e/ou a fornicação (Mt 5:32), bem como o abandono da parte de um cônjuge incrédulo (1Co 7:10-15) constituem motivos para divórcio.”7

Fique claro, porém, que a única possibilidade de divórcio com liberdade para um novo casamento, além da viuvez, é a infidelidade ao voto matrimonial por parte do cônjuge. Na seção “Razões para disciplina dos membros”, o Manual diz: Transgressões tais como fornicação, promiscuidade, incesto, prática homossexual, abuso sexual de crianças e de adultos vulneráveis e outras perversões sexuais, e novo casamento de pessoa divorciada, exceto o cônjuge que permaneceu fiel ao voto matrimonial num divórcio causado por adultério ou perversões sexuais.8

Considerações finais

Diante disso, deve-se reafirmar que o chamado “privilégio paulino”, a pretensão de alguns em conceder liberdade para novas núpcias ao crente abandonado pelo cônjuge incrédulo, não tem fundamentação bíblica nem encontra apoio no Manual da Igreja.

Permanece, portanto, ratificada a santidade e perpetuidade do casamento aos olhos de Deus.


Referências

1 Robert J. Plekker, Divórcio à Luz da Bíblia (São Paulo: Vida Nova, 1985), 41.

2 Ibidem.

3 W. W. Wiersbe, The Bible Exposition Commentary. “An exposition of the New Testament comprising the entire ‘BE’ series”, 1Co 7:12 (Wheaton, Ill: Victor Books, 1996, c1989.

4 K. L.Chafin & L. J. Ogilvie, The Preacher’s Commentary Series, Vol. 30, I e II Corinthians. Formerly The Communicator’s Commentary. The Preacher’s Commentary series (91) (Nashville, Tennessee: Thomas Nelson Inc, 1985.

5 R. B.Hughes & J. C. Laney, Tyndale Concise Bible Commentary. Ed. rev. of New Bible Companion,  1990. Includes index. The Tyndale Reference Library (551). Wheaton, Ill: Tyndale House Publishers, 2001.

6 A. Robertson, Word Pictures in the New Testament, Vol.V c1932, Vol.VI c1933 by Sunday School Board of the Southern Baptist Convention (1Co 7:15) (Oak Harbor: Logos Research Systems, 1997.

7 Manual da Igreja da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 204.

8 Ibid, 195 (grifo nosso).


Fonte: Revista Parousia, 2° Semestre de 2007, UNASPRESS