Roger W. Coon
Secretário associado do Patrimônio Literário
Ellen G. White, Washington, D.C.
Perguntas sobre dízimo e ofertas
Desde que Abraão pagou o primeiro dízimo” a Melquisedeque – rei de Salém e sacerdote do Deus altíssimo (Gên. 14:18) – crentes de todas as eras buscaram saber honestamente como calcular o dízimo, quando e onde devolvê-lo a Deus e que uso Deus quer que se faça dele.
Essas perguntas são lógicas e cada geração deve buscar , por si mesma, as respostas. O Velho Testamento contém instruções claras para a devolução e uso do dízimo. O Novo Testamento não apresenta novas explicações, mas endossa a necessidade da devolução do dízimo. Sendo assim, a posição da Igreja Adventista do Sétimo Dia acerca do dízimo se baseia nos princípios apresentados no Velho Testamento, e sua aplicação para uma igreja cristã com pastores, e não sacerdotes.
Especificamente, os adventistas esforçam-se por seguir os conselhos de Ellen G. White, cujos ensinos bíblico ela adaptou aos nossos dias. Portanto, nada mais apropriado que formular perguntas sobre como a Sra. White entendia a questão do dízimo. Mas, primeiro, vamos recapitulara perspectiva bíblica acerca do dízimo.
O dízimo constituía a décima parte da renda de uma pessoa (Mal. 3:7-10;e Lev.27:30 e 32), devolvida a Deus como sinal de sujeição, e ao mesmo tempo, um sociedade com Ele. Deus era o proprietário reconhecido e os homens, os administradores de Sua propriedade. Nos dias de Malaquias, os dízimos eram entregues aos sacerdotes, eram armazenados num depósito (uma série de dependência no templo em Jerusalém) sendo, com freqüência, pagos com produtos da agricultura. Os dízimos constituíam o pagamento , ou a herança, para a tribo de Levi –aqueles que ministravam diante de Deus no templo. Deus disse: “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na Minha casa” (Mal. 3:10).
O dízimo a que nos referimos não se tratava de uma “oferta”, nem de um “segundo dízimo” (uma décima parte adicional separada por alguns israelitas como uma oferta), mas uma décima parte completa de renda de uma pessoa, entregue aos sacerdotes.
P – Sendo que os nossos dias não temos sacerdotes levitas, para o que a Sr. White recomenda o uso do dízimo?
R – Na ampliação do conselho bíblico, a Sra. White afirma: “O dízimo é sagrado, reservado para Deus por Si mesmo. Deve ser entregue à Sua tesouraria a fim de ser usado para o sustento dos que trabalham na obra da pregação do evangelho.” 1
A Sra. White considerava apropriado apoiar “obreiros evangélicos” com os fundos dos dízimos, dentro das seguintes áreas:
- Pastores e instrutores bíblicos 2
- Professores de Bíblia em nossas instituições educacionais 3
- Campos missionários carentes (na América do Norte e fora).4
- Pastores – médicos 5
- Obreiros evangélicos aposentados 6
Ela indicou que algumas atividades religiosas ehumanitárias, “apesar de boas em si mesmas, não são o objeto para o qual o Senhor determinou a aplicação do dízimo”.7 Nestas atividades estão incluídos:
- O cuidado dos pobres, doentes e idosos 8
- Educação de estudantes dignos e necessitados 9
- Administração e outras despesas escolares 10
- Salário de colportores 11
- Despesas de uma igrejas local 12
- Construção de igrejas ou prédios para necessidades institucionais (como escolas, hospitais e casas publicadoras).13
- Trabalhos missionários em lugares novos 14
- Caridade e hospitalidade 15
- Outros propósitos beneficentes 16
Essas atividades devem ser apoiadas com ofertas voluntárias, além do dízimo. Algumas vezes a Sra. White usou a expressão “segundo dízimo” como sinônimo para essas ofertas. Nunca, porém, confundiu o “ segundo dízimo” com o dízimo regular.
P – Faz alguma diferença o lugar para o qual envio meus dízimos e minhas ofertas? Existe mais de uma “casa do tesouro” hoje em dia?
R – Malaquias nos recomenda o envio do dízimo à “casa do tesouro”; mas não disse que todas as ofertas deveriam ir para lá também. Deus nos deixou livres para determinar “quanto”, “onde” e “o que” dar como voluntárias. Mas isto não acontece com o dízimo.
A Sra. White usa, geralmente, a palavra “meios” como sinônimo para ofertas. E estas ofertas- ou “meios”- podem ser encaminhadas pelos canais da igreja, para serem gastas em projetos dignos não diretamente subvencionados pela igreja. escrevendo a seu filho Edson, ela falou desse tipo de ofertas: “O Senhor não especificou qualquer canal sistemático através do qual os meios devam passar.” 17
E, mais uma vez, ela falou sobre ofertas – não sobre dízimo – quando, em 1908 escreveu “Àqueles que Têm Responsabilidades em Washington o Outros Centros”: “ O Senhor opera por meio de várias atividades. Caso haja alguém desejoso de ingressar em novos campos e assumir novas frentes de trabalho, que receba o estímulo para assim fazer…” e acrescentou: “Não fiquem preocupados com o fato de alguns meios serem encaminhados diretamente às mãos daqueles que estão tentando realizar a obra missionária de maneira calma e eficiente. Não tencione um único órgão ou organização lidar com todos os meios .”18
Mas, e o dízimo? Este é outro assunto. Numa mensagem lida para os delegados da Conferência de Estado em São José , na Califórnia, em janeiro de 1907, a Sra. White usou a expressão “casa do tesouro” uma vez – com tal clareza que seus ouvintes entenderam o contexto de suas observações com relação ao dízimo. Mas usou a palavra “tesouraria” seis vezes (e a expressão “casa do tesouro de Deus” uma vez para complementar) nessas observações. 19
Um exame contextual desta mensagem, e de outras com conteúdo semelhante mostra que, para a Sra. White, “tesouraria” ou “casa do tesouro” eram sinônimos de tesouraria denominacional – fosse em nível de igreja local, Associação Local, União , Divisão ou Associação Geral.
P – Devo pagar meu dízimo a uma igreja que acredito estar em apostasia?
R – Existe uma tênue linha- mas uma diferença significativa – entre “uma igreja em apostasia” e “ apostasia na igreja”. ninguém que conheça a Igreja Adventista do Sétimo Dia negaria o fato de que através de nossa história sempre existiu alguma apostasia em nossas fileiras- e continua existindo hoje.
A Sra. White fala de uma “ sacudidura” cataclísmica recaindo sobre a Igreja no fim, na qual muitos 20 serão lançados fora. Pode até ser que a “ sacudidura” final já tenha começado em alguns lugares.
Mas sugerir, como fazem alguns escritos críticos, que a “Igreja está em apostasia” hoje é tão irresponsável quanto arbitrário.
O que é apostasia? A maioria dos dicionários religiosos define apostasia como sendo um afastamento da doutrina ou prática pura. Mas, quem define essa doutrina ou prática?
Alguns críticos, hoje, argumentam que a “Igreja está em apostasia” porque não advoga seu ponta de vista particular sobre a natureza humana de Cristo com sua conseqüente linha teológica.
Existem, hoje, pelo menos três pontos de vista sobre a natureza de Cristo nos círculos adventistas : (1) que por ocasião da encarnação Cristo assumiu a natureza de Adão antes da queda; (2) que Ele assumiu a natureza de Adão depois da queda; (3) que Ele assumiu uma natureza em alguns aspectos semelhante à natureza de Adão antes da queda , mas em outros, semelhantes à natureza de Adão depois da queda.
Esses críticos crêem na segunda opção e declaram que qualquer outra posição constitui uma “apostasia”. O que ele não dizem é que um grande número de pastores adventistas, professores de Bíblia e membros de Igreja, no mesmo nível de escolaridade e comprometimento , acredita de preferência, na terceira, em vez de na segunda posição. 21 Por quê? Porque (1) existe certa ambigüidade reconhecida tanto nas Escrituras como nos escritos da Sra. White concernentes à natureza de Jesus, e (2) o Espírito de profecia adverte claramente contra a tentativa de humanizar totalmente a Cristo 22 . Entretanto, esses pastores, professores e membros adventistas, crêem tão verdadeiramente quanto os críticos a que referimos, que o exemplo de Cristo demostrar se possível viver uma vida de vitória sobre o pecado.
Os críticos também não esclarecem que devido a essas ambigüidades e precauções da Sra. White, a Igreja nunca endossou oficialmente qualquer um dos três pontos de vista. Um posicionamento doutrinário só pode ser estabelecido pela Igreja mundial em sessão da Associação Geral. Nem mesmo o Comitê Executivo da Associação Geral em suas sessões regulares, e certamente nem membros individuais ou um “ministério independente”, podem definir doutrinas da Igreja. Sendo que a Igreja jamais definiu esta questão teológica, como se poderia afirmar que alguém na Igreja (ou a própria Igreja) está em apostasia devido à posição que assumiu em relação à natureza de Cristo?
A Igreja como um corpo não está em apostasia (apesar de haver apostasia na Igreja ). Não é apenas apropriado, mas é obrigação apresentada pelas Escrituras e por Ellen White que, como membros da Igreja, devemos devolver nossos dízimos ( se não também nossas ofertas) à tesouraria da Igreja,
P – Tornar-me-ia pessoalmente culpada diante de Deus caso apoiasse financeiramente uma igreja cujos pastores estejam ensinando engano, desviando fundos da Igreja, ou cometendo erros?
R- Jesus louvou a atitude da viúva que deu sua oferta a uma organização religiosa que estava à beira da rejeição do céu ( Lucas 21:2-4).
A Sra. White ensinou que (1) mesmo que o dinheiro da Igreja fosse mal administrado, o doador receberia, assim mesmo, as bênçãos de Deus 23 , (2) quando as coisas estão erradas em nível de liderança, temos a obrigação de admoestar “ clara e abertamente , no devido espírito, e as pessoas certas” 24 ; e (3) assim mesmo temos que pagar nossos dízimos `a tesouraria da associação:
“Alguns estão descontentes e dizem: ‘ Já não devolverei mais meus dízimos… à Sua tesouraria…, pois não temos confiança na maneira como as coisas são administradas no coração da obra. Mas roubaríeis a Deus por pensardes que a administração da obra estás incorreta? Apresentai vossa queixa … Enviai vossos pedidos no sentido de que as coisas sejam ajustadas e colocadas em ordem; não vos retireis, porém da obra de Deus, provando serdes infiéis, pelo fato e outros não estarem agindo corretamente.” 25
Em 1890, a Sra. White foi mais adiante em relação a essa prática incorreta: “ Vós que recusais entregar vossos meios à causa de Deus, lede o livro de Malaquias e vede o que é dito ali quanto aos dízimos e ofertas. Não sois capazes e ver que não é melhor coisa, sob qualquer que seja a circunstâncias , reter vossos dízimos e ofertas por não estardes de acordo com as atitudes de vossos irmãos? Os dízimos e ofertas não são propriedades de homem algum, mas devem ser usados na realização do trabalho de Deus. Pastores indignos talvez recebam alguns dos meios angariados; mas ousaria alguém, por essa razão , recusar-se a dar e enfrentar a maldiçao de Deus? Eu não ousaria. Devolvo meus dízimos prazerosamente e livremente…
“ Se os negócios da Associação não são administrados de acordo com a ordem do Senhor este pecado recai sobre os que estão em erro. O Senhor não vos responsabilizará por isto, se fizerdes o que estiver ao vosso alcance para corrigir o mal. No entanto, não pequeis deixando de devolver para Deus aquilo que lhe pertence.” 26
Pelo contexto fica claro que a Sra. White considera o ato de reter o dízimo e as ofertas, deixando de depositá-los na tesouraria da Associação ,como pecaminoso e não justificável quando se tem como base o fato de que “pastores indignos” poderiam receber uma parte dos fundos assim depositados. Deus “não vos responsabilizará” pelos pecados da liderança da igreja, “se fizerdes o que estiver ao alcance para corrigir o mal.”
Pode ser útil relembrar que sempre existiram diferenças doutrinárias dentro de nossa Igreja. Durante o período do chamado Adventismo Histórico”, Urias Smith acreditava que Cristo era Deus, mas que não era eterno, e que o Pai era o primeiro “com respeito ao tempo”; os Doutores John Harvey Kellogg e E. J. Waggoner mantinham idéias panteístas; e líderes da Igreja divergiram quanto ao sentido de “costumado” ( Diário ,na NIV) em Daniel 8 e de “rei do Norte”, em Daniel 1. Contudo, a Sra. White jamais institui com os membros para que deixassem de entregar seus dízimos à tesouraria denominacional por causa da indignidade” de alguns dos nossos líderes.
(continua)
PDF: Dízimo: Conselho e Prática de Ellen G. White – I
Referências:
1 Manuscrito 83 de Ellen G.White,1904, citado em Manuscript Releases, vol. 1, pág. 137.
3 Testimonies, vol. 6, pág. 215.
4 Manuscript Releases ,vol. 1, pág. 192.
6 Manuscript Releases, vol. 1, pág. 189.
7 Testimonies, vol. 9, pág. 248.
8 Manuscript Releases, vol. 3, pág. 218; Conselhos Sobre Mordomia, pág. 103.
9 Manuscript Releases ,vol. 1, págs. 99, 193 e 194.
10 Testimonies, vol. 9, págs. 248-250.
12 Conselhos Sobre Mordomia, pág. 103; Testimonies, vol. 9, pág. 248; Manuscript Releases, vol. 1, pág. 191.
13 Manuscript Releases, vol. 1, págs. 185 e 191. Para discussão mais completa , ver “Ellen G. White Comments on the Use of Tithe Funds”, de Robert W. Olson , em “ History and Use of the Tithe”, manuscrito não publicado , Centro de Pesquisa E. G. White , red. ed. fev. 1990, págs. 17-25.
14 Carta de Ellen G. White, nº 103,7 de abril, 1905; citada em Manuscript Releases , vol. 7, pág. 139.
15 Patriarcas e Profetas, pág. 565.
17 Carta de Ellen G. White, nº136, 14 de agosto de 1898. Variante citada em Spalding- Magan Collection, pág. 498.
18 Carta de Ellen G. White, nº32, 6 de jan. de 1908, pág. 6; citada em Spalding-Magan Collection, pág. 421.
19 Testimonies, vol. 9, págs. 245-251.
21 Ver, para exemplo Robert W. Olson, The Humanity of Christ, Pacific Press Publishing Assn., 1989, pág. 32.
22 Ver, para exemplo, certas afirmações de Ellen White no DAS Bible Commentary, vol. 5, págs. 1128, 1129 e 1131.
23 Testimonies, vol. 2, págs. 518 e 519.
26 Special Testimonies , Série A, nº1, pág.27; grifo acrescentado.