Como Deus Se Comunica?
A Natureza da Revelação e Inspiração

Introdução

Como Deus se comunica com os seres Humanos? A Bíblia nos diz que: “Havendo Deus, outrora falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho” (Hebreus 1:1, 2,  RA, 2ª ed.)

Jesus Cristo foi à revelação final de Deus para a raça humana. Sua pessoa, sua mensagem, e seu ministério demonstraram de forma clara e convincente que divinamente desejava se comunicar com a humanidade.

O Próprio Cristo informou aos seus seguidores que o Espírito Santo como seu representante continuaria a transmitir a mensagem divina através dos seus mensageiros. Jesus disse que o consolador, o Espírito Santo “esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.” “Ele vos guiará a toda a verdade” (João 14:26; 16:13 RA, 2ª ed.)

O sistema de comunicação de Deus envolve uma combinação divina e características humanas que fazem com que a mensagem profética seja única. A relação entre a mensagem divina (perfeita, infalível, perpétua) e o mensageiro humano (imperfeito, falível, mortal) nem sempre é percebida na perspectiva adequada. Alguns, enfatizando o divino, estão preocupados com a aparente discrepância ou pela linguagem que revela a humanidade do mensageiro. Outros, enfatizando o ser humano, tentam definir o que é inspirado e o que não é, minimizando assim a autoridade da mensagem de Deus.

As duas exibições em “O entendimento de Ellen G. White na comunicação Divina” representa a própria compreensão de Ellen G. White da forma como Deus se comunica através dos Seus profetas. Estes são seguidos nesta seção por um artigo sobre A Dinâmica da Inspiração.”

O Entendimento de Ellen G. White na comunicação Divina

Exibição Um. O Grande Conflito, páginas VII – IX

Antes que o pecado entrasse no mundo, Adão gozava plena comunhão com seu Criador. Desde, porém, que o homem se separou de Deus pela transgressão, a raça humana ficou privada desse alto privilégio. Pelo plano da redenção, entretanto, abriu-se um caminho mediante o qual os habitantes da Terra podem ainda ter ligação com o Céu. Deus Se tem comunicado com os homens mediante o Seu Espírito; e a luz divina tem sido comunicada ao mundo pelas revelações feitas a Seus servos escolhidos. “Homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo.” II Ped. 1:21.

Durante os primeiros vinte e cinco séculos da história humana não houve nenhuma revelação escrita. Aqueles dentre os homens que haviam sido feitos receptáculos das revelações divinas comunicavam estas verbalmente aos seus descendentes, passando assim o seu conhecimento para gerações sucessivas. A revelação escrita data de Moisés, que foi o primeiro compilador dos fatos até então revelados, os quais enfeixou em volume. Esse trabalho prosseguiu por espaço de mil e seiscentos anos – desde Moisés, o autor do Gênesis, até João o evangelista, que nos transmitiu por escrito os mais sublimes fatos do evangelho.

A Escritura Sagrada aponta a Deus como seu autor; no entanto, foi escrita por mãos humanas, e no variado estilo de seus diferentes livros apresenta os característicos dos diversos escritores. As verdades reveladas são dadas por inspiração de Deus (II Tim. 3:16); acham-se, contudo, expressas em palavras de homens. O Ser infinito, por meio de Seu Santo Espírito, derramou luz no entendimento e coração de Seus servos. Deu sonhos e visões, símbolos e figuras; e aqueles a quem a verdade foi assim revelada, concretizaram os pensamentos em linguagem humana.

Os Dez Mandamentos foram pronunciados pelo próprio Deus, e por Sua própria mão foram escritos. São de redação divina e não humana. Mas a Escritura Sagrada, com suas divinas verdades, expressas em linguagem de homens, apresenta uma união do divino com o humano. União semelhante existiu na natureza de Cristo, que era o Filho de Deus e Filho do homem. Assim, é verdade com relação à Escritura, como o foi em relação a Cristo, que “o Verbo Se fez carne e habitou entre nós”. João 1:14.

Escritos em épocas diferentes, por homens de origem e posição diversas, e variando entre si quanto à sua capacidade intelectual e espiritual, os livros da Bíblia oferecem um singular contraste de estilos e uma variedade de formas dos assuntos expostos. A fraseologia dos diferentes escritos diverge, expondo uns os mesmos fatos com maior clareza do que outros. E como sucede, às vezes, tratarem um mesmo assunto sob aspectos e relações diferentes, pode parecer ao leitor de ocasião e imbuído de algum preconceito, que os seus conceitos divergem, quando um meditado estudo deixa transparecer claramente o seu fundo harmônico.

Sendo tratada por individualidades distintas, a verdade nos é assim apresentada nos seus diferentes aspectos. Um escritor se impressiona mais com uma face da questão e se especializa naqueles pontos que têm relação mais direta com as suas experiências pessoais o que ele melhor percebe e aprecia, ao passo que outro prefere encará-la por outro prisma; cada qual, porém, sob a direção de um mesmo Espírito apresenta aquilo que mais particular impressão exerce sobre o seu espírito, resultando daí uma variedade de aspectos da mesma verdade, mas perfeitamente harmônicos entre si. As verdades assim reveladas formam um conjunto perfeito que admiravelmente se adapta às necessidades do homem em todas as condições e experiências da vida.

É assim que Deus Se agradou comunicar Sua verdade ao mundo por meio de agências humanas que Ele próprio, pelo Seu Espírito, faz idôneas para essa missão, dirigindo-lhes a mente no tocante ao que devem falar ou escrever. Os tesouros divinos são deste modo confiados a vasos terrestres sem contudo nada perderem de sua origem celestial. O testemunho nos é transmitido nas expressões imperfeitas de nossa linguagem, conservando todavia o seu caráter de testemunho de Deus, no qual o crente submisso descobre a virtude divina, superabundante em graça e verdade.

Em Sua Palavra, Deus conferiu aos homens o conhecimento necessário à salvação. As Santas Escrituras devem ser aceitas como autorizada e infalível revelação de Sua vontade. Elas são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa. “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” II Tim. 3:16 e 17. 

Exibição dois. Mensagens Escolhidas, volume 1, páginas 19-22

Objeções à Bíblia

Os escritores da Bíblia tiveram de exprimir suas idéias em linguagem humana. Ela foi escrita por seres humanos. Esses homens foram inspirados pelo Espírito Santo. Devido a imperfeições da compreensão humana da linguagem, ou da perversidade da mente humana, hábil em fugir à verdade, muitos lêem e entendem a Bíblia de maneira a se agradarem a si mesmos. Não é que a dificuldade esteja na Bíblia. Adversários políticos questionam pontos de lei no livro dos estatutos, e tomam atitudes opostas em sua aplicação, e nessas leis.

As Escrituras foram dadas aos homens, não em uma cadeia contínua de ininterruptas declarações, mas parte por parte através de sucessivas gerações, à medida que Deus, em Sua providência, via apropriada ocasião para impressionar o homem nos vários tempos e diversos lugares. Os homens escreveram segundo foram movidos pelo Espírito Santo. Há “primeiro o botão, depois a flor, e em seguida o fruto”, “primeiro a erva, depois a espiga, e por último o grão cheio na espiga”. Mar. 4:28. Isto é exatamente o que as declarações bíblicas são para nós.

Nem sempre há perfeita ordem ou aparente unidade nas Escrituras. Os milagres de Cristo não são dados na ordem exata, mas justo segundo ocorriam as circunstâncias, as quais reclamavam esta divina revelação do poder de Cristo. As verdades da Bíblia são como pérolas ocultas. Devem ser buscadas, desenterradas mediante penosos esforços. Os que apanham apenas uma apressada visão das Escrituras hão de, com seu conhecimento superficial que eles julgam muito profundo, falar nas contradições da Bíblia, e pôr em dúvida a autoridade das Escrituras. Aqueles, porém, cujo coração se acha em harmonia com a verdade e o dever, pesquisarão as Escrituras com o coração preparado para receber impressões divinas. A alma iluminada vê unidade espiritual, um grande fio de ouro através do todo, mas requer paciência, reflexão e oração o rastrear o áureo fio precioso. Contendas amargas a respeito da Bíblia levaram a pesquisas e revelaram as preciosas jóias da verdade. Muitas lágrimas foram vertidas, muitas orações feitas para que o Senhor abrisse o entendimento para Sua Palavra.

A Bíblia não nos é dada em elevada linguagem sobre-humana. A fim de chegar aos homens onde eles se encontram, Jesus revestiu-Se da humanidade. A Bíblia precisa ser dada na linguagem dos homens. Tudo quanto é humano é imperfeito. Significações diversas são expressas pela mesma palavra; não há uma palavra para cada idéia distinta. A Bíblia foi dada para fins práticos.

Diferentes são os cunhos mentais. As expressões e declarações não são compreendidas da mesma maneira por todos. Alguns entendem as declarações das Escrituras segundo sua mente e casos especiais. As prevenções, os preconceitos e as paixões têm forte influência para obscurecer o entendimento e confundir a mente mesmo ao ler as palavras da Santa Escritura.

Os discípulos de caminho para Emaús, necessitaram ser desembaraçados de sua interpretação das Escrituras. Jesus  caminhou com eles disfarçado, e como homem falou com eles. Começando por Moisés e os profetas, ensinou-lhes todas as coisas referentes a Ele próprio, que Sua vida, Sua missão, Seus sofrimentos e Sua morte estavam justo em harmonia com o que a Palavra de Deus predissera. Abriu-lhes o entendimento para que compreendessem as Escrituras. Quão pronto estendeu Ele sem rodeios as emaranhadas extremidades e mostrou a unidade e a divina verdade das Escrituras! Quantos homens em nossos tempos necessitam de que seu entendimento seja aberto!

A Bíblia foi escrita por homens inspirados, mas não é a maneira de pensar e exprimir-se de Deus. Esta é da humanidade. Deus, como escritor, não Se acha representado. Os homens dirão muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não Se pôs à prova na Bíblia em palavras, em lógica, em retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não Sua pena. Olhai os diversos escritores.

Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens é que o foram. A inspiração não atua nas palavras do homem ou em suas expressões, mas no próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos. As palavras, porém, recebem o cunho da mente individual. A mente divina é difusa. A mente divina, bem como Sua vontade, é combinada com a mente e a vontade humanas; assim as declarações do homem são a Palavra de Deus. – Manuscrito 24, 1886 (escrito na Europa em 1886).

Unidade na Diversidade

Há variedade em uma árvore, dificilmente duas folhas são exatamente semelhantes. Todavia esta variedade acrescenta à perfeição da árvore como um todo.

Em nossa Bíblia, poderíamos perguntar: “Por que necessitam Mateus, Marcos, Lucas e João nos Evangelhos, por que necessitam os Atos dos Apóstolos e a variedade de escritores das Epístolas, repetir as mesmas coisas?”

O Senhor deu Sua Palavra justamente pela maneira que queria que ela viesse. Deu-a por meio de diferentes escritores, tendo cada um sua própria individualidade, embora repetindo a mesma história. Seus testemunhos são trazidos juntos em um só Livro, e são como as expressões em uma reunião de testemunhos. Eles não dizem as coisas exatamente no mesmo estilo. Cada um tem uma experiência sua, própria, e essa diversidade amplia e aprofunda o conhecimento que vem satisfazer as necessidades dos variados espíritos. Os pensamentos expressos não têm estabelecida uniformidade, como se houvessem sido lançados em molde de ferro, tornando monótono o próprio ouvir. Em tal uniformidade haveria perda da graça e beleza que os distingue. …

O Criador de todas as idéias pode impressionar mentes diversas com o mesmo pensamento, mas cada um pode exprimi-lo por diferentes maneiras, e ao mesmo tempo sem contradições. O fato de existir essa diferença não nos deve confundir nem deixar perplexos. Raramente verão duas pessoas e exprimirão a verdade da mesma maneira. Cada uma se deterá em pontos particulares que sua constituição e educação a habilitaram a apreciar. A luz do Sol incidindo sobre diferentes objetos, empresta-lhes tonalidades diversas.

Mediante a inspiração de Seu Espírito o Senhor deu a Seus apóstolos uma verdade a ser expressa segundo o desenvolvimento de sua mente pelo Espírito Santo. A mente, porém, não é tolhida, como se forçada em determinado molde. (Carta 53, 1900.)

A Dinâmica da Inspiração
Olhando de Perto as Mensagens de Ellen White

Por: Juan Carlos Viera

Nas páginas sagradas da Bíblia nós descobrimos pelo menos seis modelos, ou padrões, de inspiração. Esses modelos jorram luz nos processos misteriosos pelos quais Deus se comunica com a humanidade e nos ajuda a entender melhor as dinâmicas da inspiração de Ellen White.

O Modelo “Visionário” de Inspiração

Muitos cristãos acreditam no modelo “visionário” – Deus falando através de visões e sonhos proféticos – como a inigualável e única forma de Deus revelar a Sua vontade aos profetas. Esse modelo sugere visões de caráter sobrenatural na qual o profeta exibe sinais de ser controlado por um poder sobrenatural. Tais sinais, como ficar sem respirar ou força anormal – ou falta de força –, podem ser achados no testemunho dos profetas bíblicos assim como em Ellen White.1

O modelo visionário também inclui experiências à parte de sonhos e visões, assim como teofanias, na qual a presença real de um ser celestial é visto e ouvido. Moisés no deserto de Midiã e Josué nos planaltos de Jericó receberam suas mensagens pessoalmente de seres divinos reais e presentes.Em outras instâncias, os olhos do profeta são abertos para ver o mundo invisível dos seres espirituais envolvidos no grande conflito entre o bem e o mal.3

Visões são tão reais aos profetas que às vezes é difícil para eles distinguirem entre a visão e a realidade.4 Eles podem dizer para as pessoas “Eu vi o Senhor” e “Eu ouvi a voz do Senhor” (Isa. 6:1, 8). Visões sobrenaturais asseguram ao honesto e sincero que Deus está falando a eles através da voz e caneta dos profetas.

Mas a Bíblia inclui diversos modelos de inspiração diferentes do visionário.

O Modelo “Testemunho” de Inspiração

No modelo “testemunho”, Deus parece inspirar o profeta a dar o seu próprio testemunho das coisas vistas e ouvidas. João podia escrever: “O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, … o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros” (1 João 1:1-3).

Ser uma testemunha significa relacionar a história como visto – ou percebido – por um indivíduo. Tecnicamente, a uma testemunha não é permitido se referir a visões ou opiniões dadas por outros. Deus inspira uma pessoa a dar o seu próprio informe sem sonhos ou visões adicionais, mas a mensagem ainda é resultado de inspiração divina porque o Espírito Santo impressiona a mente do profeta e o inspira a escrever como uma testemunha.

Os evangelhos de Mateus e João são resultado do modelo testemunho. Esses apóstolos não necessitavam de uma revelação sobrenatural para contar a história de Jesus; eles fizeram parte da história. Os Evangelhos não são em nada menos inspirados do que os escritos visionários só porque eles não são resultado de uma visão. Eles foram inspirados de uma forma diferente – o Espírito Santo estava usando um modelo diferente.

Alguns crentes Adventistas têm dificuldade em entender como funciona a inspiração quando Ellen White dá seu próprio testemunho em obras autobiográficas, ou quando ela conta a história do movimento adventista como ela a via. Estas declarações são menos inspirados do que aqueles que ela iniciava com “Eu vi”? Não. Nós não cremos em “níveis” ou “degraus” de inspiração; em vez disso cremos que Deus usa diferentes formas de inspirar alguém a escrever uma mensagem.

O Modelo “Histórico” de Inspiração

Enquanto os Evangelhos de Mateus e João são resultado do modelo “testemunho”, Marcos e Lucas vêm do que nós podemos descrever como o modelo “histórico” de inspiração. Lucas nos conta claramente que a sua história sobre Jesus não veio através de sonhos ou visões, mas por pesquisa. “Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram… a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem.” (Lucas 1:1-3)

No modelo histórico, Deus inspira o profeta a procurar por informação em fontes como registros históricos, relatos de testemunhas oculares, e tradições orais e escritas. Nós podemos estar seguros que Ele guia Seus servos para ir a pessoas confiáveis, fazer as perguntas certas, e citar da fonte certa.

Além de Marcos e Lucas, livros como Atos, Êxodo, Josué, Esdras e Ester ilustram como alguns relatos históricos, incluindo diários de viagem, se tornam parte de escritos inspirados. Nem Moisés nem Lucas precisavam de uma revelação especial para registrar a história do Êxodo ou os da igreja apostólica. Porém, o Senhor sabia que aquelas narrativas não somente levaria encorajamento a Seu povo posteriormente, mas também conselho e alerta. Conseqüentemente, Ele inspirou Seus servos a registrar aquelas viagens e circunstâncias envolvendo o povo de Deus.

O modelo histórico de inspiração também nos permite entender melhor porque Ellen White incluiu registros históricos – muitas vezes de fontes seculares – nos seus escritos inspirados. Uma citação secular se torna uma parte integral de um escrito inspirado não por causa de uma mudança “alquemística” na substância, mas por causa da liberdade que Deus concede ao profeta de usar qualquer fonte que ele ou ela considerem necessários para fazer o texto final da mensagem claro e completo.

O modelo histórico de inspiração nos ajuda a entender o uso de fontes religiosas em vez de visões e sonhos proféticos. Assim como Lucas foi a pessoas religiosas em busca de informação sobre a história de Jesus, Ellen White foi a livros religiosos em busca de expressões e figuras literárias que a permitiriam dar “uma apresentação enérgica e boa do assunto” que ela tinha sido inspirada a apresentar.5

O Modelo “Conselheiro” de Inspiração

No modelo “conselheiro” o profeta age como um conselheiro ao povo de Deus. Por exemplo, Paulo lidou com assuntos de família na primeira carta aos Corintos. Em algumas instâncias, ele tinha o “comando” do Senhor (I Cor. 7:10). Em outras instâncias ele não tinha revelação especial (v. 25), mas isso não o impedia de dar conselhos inspirados – conselhos vindos de uma mente cheia do Espírito de Deus (v. 40).

Uma grande parte dos escritos de Ellen White vem sob o modelo conselheiro de inspiração. Muitas vezes ela usou o termo “Eu vi” quando dava conselhos para pais e professores, quando alarmando crianças e jovens, ou ao trazer avisos a ministros e administradores; mas muitas vezes ela não o fazia. Nós não devemos dar menos valor a conselhos onde uma revelação especial é declarada. Isso limitaria o Senhor a um único modelo de comunicação. Deus inspirou a profetisa a usar seu próprio julgamento6 ao dar conselhos – conselhos vindos da mente iluminada pelo mesmo Espírito que dá sonhos e visões.

O Modelo “Epistolar” de Inspiração

Cartas de Tiago, João, Paulo e Pedro trouxeram inspiração, devoção, instrução e correção aos crentes do primeiro século como também aos Cristãos de todas as eras. Porém, na armação da dinâmica da inspiração, epístolas nos confrontam com novos dilemas: primeiro como lidar com cartas pessoais agora sendo feitas públicas por sua inserção no cânon bíblico; segundo, como entender inspiração quando o profeta escreve cumprimentos, nomes, circunstâncias, ou até mesmo coisas comuns que não requerem revelação especial.

Certamente Paulo nunca imaginou que suas cartas a Timóteo, Tito e Filemon se tornariam de domínio público. Mas o Senhor planejou que aquelas cartas fizessem parte do cânon para trazer inspiração, instrução e conforto para muitos ministros e crentes jovens enfrentando circunstâncias parecidas.

Da mesma forma, Ellen White nunca imaginou que suas cartas pessoais, especialmente endereçados ao seu marido e filhos, se tornariam de domínio público. Ao decidir disponibilizá-las, o comitê de depositários do Patrimônio Literário Ellen White considerou dois princípios: primeira a própria Ellen White afirmou que aqueles testemunhos que tinham sido dirigidos a um único indivíduo para instruir, corrigir ou encorajar em uma situação específica seriam úteis também a outros.7 Segundo, se o Senhor permitiu que as cartas pessoais de Paulo estivessem na Bíblia para servir a uma audiência maior, por que Ele não poderia fazer a mesma coisa com um profeta posterior?

As correspondências de Paulo com os Coríntios revelam suas emoções, sentimentos de desencorajamento e até repulsos pelos pesados pecados permitidos dentro da igreja. O Espírito Santo não entrou em cena com uma revelação especial ou visão. Em vez disso, o Espírito inspirou o servo do Senhor a se expressar com seus próprios sentimentos. Mas se por acaso alguns crentes considerassem essa mensagem somente uma carta de um pastor preocupado, o apóstolo os lembra que tudo o que ele pregou e ensinou – ou até mesmo escreveu – foi resultado dos ensinos do Espírito (I Cor. 2:1-13).

As cartas pessoais de Ellen White mostram o profeta se correspondendo com sua audiência, expressando seus fardos e sentimentos. Muitas vezes não tem um “eu vi” no início da carta. Mas isso não significa que ela está escrevendo somente seus sentimentos pessoais ou opiniões. Ela está muito ciente da fonte divina de seus escritos.8

O Modelo “Literário” de Inspiração

No modelo “literário”, o Espírito Santo inspira o profeta a expressar seus sentimentos e emoções íntimos através dos meios da poesia e prosa, como nos salmos.

Ellen White não era poetisa, não obstante, ela expressou seus sentimentos e emoções íntimos em milhares de páginas de diário à mão. Naquelas páginas o crente encontra inspiração, instrução, correção e conforto como em qualquer outra porção dos escritos inspirados.

Mas existe uma dimensão mais profunda às dinâmicas da inspiração. Ao levar Sua mensagem, Deus não somente utiliza seres humanos, mas também linguagem humana. E ambos são imperfeitos. Como esses veículos imperfeitos afetam a perfeita mensagem de Deus?

Uma Mensageira Imperfeita

O fato de profetas serem chamados “homens santos de Deus” (II Pedro 1:21) não significa nem que eles eram sem pecado, nem nos previne de reconhecer suas fraquezas como seres humanos. Qualquer tentativa de fazer os profetas bíblicos “perfeitos” será confrontada pelo próprio relato bíblico. Pense no Rei Davi. Apesar de ser um profeta, ele cometeu pecados grandiosos. Quando seu relacionamento com Deus foi quebrado pelo pecado, Deus enviou outro profeta para corrigir Seu servo (2 Sam. 12:1-13). Depois do arrependimento de Davi, o meio de comunicação foi aberto novamente e ele foi inspirado a escrever o bonito salmo de confissão (Sl. 51).

Nós não devemos basear nossa confiança nos profetas bíblicos a partir de um registro perfeito do profeta. Nem devemos fazer isso com um profeta moderno – a autoridade da palavra profética não é baseada em uma vida perfeita ou infalível. Ellen White nunca reivindicou perfeição ou infalibilidade. “Sobre infalibilidade, eu nunca o reivindiquei; somente Deus é infalível. Sua palavra é verdadeira, e nEle não há variabilidade, ou sombra de mudança.”9 Pelos seus diários e cartas pessoais, sabemos que algumas vezes ficou desencorajada; algumas vezes ela tinha desentendimentos com seu marido; muitas vezes ela teve que pedir perdão; ela errava.

Uma Profetisa Falha

No relato bíblico nós encontramos situações onde um profeta tinha de ser corrigido por causa de idéias pré-concebidas. Os apóstolos acreditavam que somente os judeus podiam ser salvos. O Espírito Santo tinha que corrigir essa idéia para que o Evangelho fosse levado a todo o mundo. No caso de Pedro, foi por uma visão (Atos 10, 11), e no caso de Paulo, revelações especiais (Ef. 3:3-6) iluminaram os apóstolos e, portanto, toda a igreja.

No movimento Adventista, nós encontramos situações semelhantes de correção de idéias pré-concebidas. Nossos pioneiros foram grandemente limitados em sua compreensão de missão por um erro teológico vindo do movimento Millerita – a doutrina da porta fechada, a crença de que a porta da graça estava fechada. Até mesmo Ellen White aceitou. Em visões sucessivas, o Espírito corrigiu a idéia, primeiro em sua mente e depois, através dela, no movimento inteiro.10

O fato de que o Espírito Santo corrigiu qualquer doutrina errada relacionada com missão global na mente de Pedro, Paulo, e Ellen White nos dá a segurança que o Espírito está no controle da mensagem inspirada.

Em outras circunstâncias um profeta tinha que ser corrigido porque o conselho ou sugestão era diferente do plano de Deus. Por isso encontramos o profeta Natan primeiro aprovando o plano de Davi de construir uma casa para o Senhor, mas o Senhor corrigindo aquela idéia.

Nós encontramos paralelos no ministério de Ellen White. Em 1902, nossa casa publicadora no Sul dos Estados Unidos estava sofrendo financeiramente. Os líderes da igreja procuraram conselhos inspirado. Depois de alguma consideração, Ellen White aprovou a decisão dos líderes de fechar a casa publicadora. Mas durante a noite Deus corrigiu Sua mensageira. Ela teve que escrever uma mensagem diferente.11

Novamente, todos os escritores do Novo Testamento criam que o retorno de Jesus seria em breve. Apesar de não conseguirmos seguir a forma cronológica exata que o Espírito Santo lideu com essa questão, nós sabemos que os apóstolos receberam informação adicional. Por exemplo, em sua primeira carta aos Tessalonicenses, Paulo deu a impressão de que ele esperava estar vivo para a volta de Jesus (I Tes. 4:16, 17). Porém, informação adicional entre as duas cartas levou-o a alertar a igreja para não esperar que o Senhor viesse imediatamente (2 Tes. 2:1-4).

Da mesma forma, João foi convencido de que ele estava vivendo “a última hora” (1 João 2:18). Visões posteriores deram a ele a oportunidade de dizer à igreja, certamente com tristeza, que muitas coisas aconteceriam – incluindo perseguição forte – antes da vinda do Senhor. Sem dúvida, o livro do Apocalipse foi a resposta do Espírito a muitas perguntas surgindo na mente do apóstolo amado.

Todos os crentes no movimento Adventista, a mensageira especial do Senhor incluiu, compartilhavam a convicção que a vinda do Senhor estava próxima. Nós não precisamos ficar com vergonha pelo fato de que Ellen White expressou suas expectativas, como fez Paulo, Pedro e João nos tempos bíblicos. Novamente o Espírito Santo tinha que corrigir algumas idéias e dar informação adicional para guiar a igreja na direção certa.

Em 1856, foi mostrado à Ellen White que alguns crentes atendendo à reunião estariam vivos até a volta de Jesus.12 Nos anos que se seguiram, o Senhor a deu uma visão estendida do grande conflito com informações adicionais sobre a viagem que estava à frente. Também foi revelado que “nós provavelmente vamos ter que permanecer aqui neste mundo por causa na insubordinação por muitos anos ainda.”13

Linguagem Imperfeita

Os adventistas do sétimo dia não crêem em inspiração verbal (a idéia de que Deus dita as palavras exatas ao profeta). Com exceção aos dez mandamentos, todos os escritos inspirados são o resultado de esforços combinados do Espírito Santo, que inspira o profeta com uma visão, uma impressão, um conselho, ou um julgamento; e o profeta, que começa a procurar por frases, figuras literárias, e expressões para levar a mensagem de Deus com precisão.

Deus dá liberdade ao profeta para selecionar o tipo de linguagem que ele ou ela querem usar. Isso explica os diferentes estilos dos escritores bíblicos e explica porque Ellen White descreve a linguagem usada por escritores inspirados como “imperfeita” e “humana.”

Porque “tudo que é humano é imperfeito”14. Nós devemos aceitar a idéia de imperfeições e erros tanto na Bíblia como nos escritos de Ellen White. Isso significa pelo menos duas coisas: 1. O profeta usa sua linguagem comum do dia-a-dia aprendido desde criança e aprimorado através de estudo, leitura, e viagens; não existe nada sobrenatural ou divino na linguagem usada; 2. O profeta pode errar ortograficamente ou gramaticalmente, assim como cometer outros tipos de erros linguísticos como lapsus linguae (um deslize da língua) ou lapsus memoriae (um lapso da memória), que precisa ser corrigido por um editor antes de o texto estar pronto para publicação. O editor não corrige a mensagem inspirada, mas a linguagem não-inspirada.

Nós encontramos lapsus linguae no evangelho de Mateus, quando ele cita Zacarias, mas menciona Jeremias em conexão com as 30 peças de prata (Mt. 27:9, 10; Zc. 11:12, 13; Jer. 32:6-9). Para uma pessoa que crê na inspiração verbal, isso levanta questões sérias; mas para aqueles que aceitam que o Senhor fala aos seres humanos em linguagem imperfeita, isso ilustra como a mensagem divina nos alcança através de uma linguagem imperfeita.

A seguinte declaração de Ellen White, quando ela cita Paulo, mas menciona Pedro, é similar: “’O amor de Cristo nos constrange’, o apóstolo Pedro declara. Esse foi o motivo que impeliu o discípulo zeloso em seu ardoroso trabalho em favor do evangelho.” 15 Felizmente, nós temos evidência o suficiente na Bíblia, assim como na história do movimento Adventista, para nos mostrar que o Espírito Santo sempre corrigiu Seus mensageiros em assuntos importantes para a igreja.

O Senhor nos surpreende com Seus caminhos maravilhosos e às vezes estranhos. Ao se comunicar com Seu povo, Ele tem selecionado seres humanos dedicados, mas falhos, usando uma linguagem humana imperfeita, como Seu instrumento para levar Sua mensagem. Devemos ser gratos ao nosso Pai celestial que Ele não selecionou linguagem “sobre-humana” compreendida apenas por algumas pessoas selecionadas, mas escolheu usar nosso próprio jeito imperfeito e comum de ver e entender as coisas.

Ao aceitar Seus caminhos, nós também devemos tomar cuidado de não confundir o conteúdo com o recipiente. Nós não devemos descartar o “tesouro” que está dentro somente porque a vasilha é imperfeita e às vezes indigna. 16


 Referências bibliográficas:

1 Para uma ilustração bíblica de força sobrenatural, ver Juízes 13-16. Para falta de força enquanto em visão, ver Daniel 10:7-11. Muitas testemunhas confiáveis afirmam que Ellen G. White ficava sem respirar enquanto em visão.

2 Ver Ex. 3; 4; Josué 5:13-15.

3 Ver 2 Reis 6:15-17.

4 Ver 2 Cor. 12:1-4.

5 O Grande Conflito, p. xii.

6 Ellen G. White sugere ambas as idéias: (1) que seu próprio julgamento estava “sob o treinamento de Deus” (Mensagens Escolhidas, vol. 3, p. 60); e (2) que sua mente e julgamento eram controlados pela “mente e julgamento do grande EU SOU” (Spalding and Magan Collection, p. 87).

7 Testemunhos Para a Igreja, vol. 5, p. 660.

8 Ibid., pp. 63, 64.

9 Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 37.

10 Ibid., pp. 63, 64.

11 Carta 208, 1902, em Spalding and Magan Collection, p. 282.

12 Ver Testemunhos Para a Igreja, vol. 1, pp. 131, 132.

13 Evangelismo, p. 696.

14 Mensagens Escolhidas, vol. 1, pp. 20, 21.

15 Review and Herald, 30 de outubro, 1913; ver declaração de Paulo em 2 Cor. 5:14.

16 Ver Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 26.