Alberto R. Timm
A maioria dos manuscritos antigos do Evangelho de João não contém o texto de João 7:53 a 8:11, onde aparece o relato sobre “uma mulher surpreendida em adultério” (8:3). Mas existem evidências suficientes para crermos que esse relato descreve um incidente genuíno na vida de Jesus, que enfatiza a mesma graça salvadora manifesta no diálogo com a mulher samaritana (João 4:1-42), na parábola do filho pródigo (Luc 15:11-32) e na história de Maria Madalena (João 12:1-8). Ellen White considera o relato de João 8:1-11 uma experiência real, como pode ser observado em O Desejado de Todas as Nações, págs. 460-462; A Ciência do Bom Viver, págs. 86-89; dois artigos na Review and Herald de 25 de novembro de 1902 e 6 de setembro de 1906; e outro artigo na Signs of the Times de 23 de outubro de 1879.
A tentativa de identificar a mulher surpreendida em adultério como sendo a “Suzana” mencionada em Lucas 8:3 não passa de mera conjectura, pois nem o relato bíblico e nem os comentários de Ellen White mencionam o nome dessa mulher. Ellen White sugere que a mulher era casada (O Desejado de Todas as Nações, pág. 461) e que fora induzida “ao pecado” pelos seus próprios acusadores com a intenção de “armar uma cilada para Jesus” (Review and Herald, 25 de novembro de 1902). Mas o encontro dela com o Salvador marcou “o início de uma nova vida, vida de pureza e paz, devotada ao serviço de Deus”, transformando-a em um dos “mais firmes seguidores” de Jesus (O Desejado de Todas as Nações, pág. 462) e “um dos mais resolutos amigos de Jesus” que esteve com Ele mesmo “ao pé da cruz” por ocasião da crucifixão (Signs of the Times, 23 de outubro de 1879).
Já Maria Madalena é identificada nos Evangelhos como a pessoa de quem Jesus expulsou “sete demônios” (Mar. 16:9; Luc. 8:2), e que presenciou a crucifixão e o sepultamento de Cristo (Mat. 27:56 e 61; João 19:25). Foi a ela que Cristo apareceu primeiro depois de ressuscitado, tornando-se a primeira porta-voz da ressurreição (Mat. 28:1-10; Mar. 16:1-11; Luc. 24:1-11; João 20:1-18).
Comentaristas bíblicos questionam, porém, se a unção de Jesus mencionada em Lucas 7:36-50 seria a mesma registrada em João 12:1-8 (ver também Mat. 26:6- 13; Mar. 14:3-9), realizada por Maria Madalena.
Em harmonia com uma antiga tradição cristã, Ellen White confirma que foi realmente Maria Madalena que ungiu com perfume a Jesus no banquete na casa de Simão (O Desejado de Todas as Nações, pág. 566). Somos informados pela mesma autora que Maria Madalena era a irmã de Marta e Lázaro (ibid., pág. 568), e que ela fora induzida “ao pecado” pelo próprio Simão (ibid., pág. 566). Além disso, ela “foi a última a deixar o sepulcro do Salvador, e a primeira a ser por Ele saudada na manhã da ressurreição” (O Maior Discurso de Cristo, pág. 129).
A tentativa de identificar Maria Madalena como sendo a mulher surpreendida em adultério (João 8:1-11) é passível de contestação. Em primeiro lugar, como já mencionado, nem a Bíblia e nem Ellen White jamais chamam esta mulher de Maria Madalena. Nem mesmo o Seventh-day Adventist Bible Commentary e nem os demais comentários sobre o Evangelho de João consultados na pesquisa para este artigo fazem tal associação. A existência de uma tradição cristã antiga que corroborasse essa associação parece descartada por Carmen Bernabé Ubieta em sua obra Maria Magdalena: Tradiciones en El Cristianismo Primitivo (Estella, Espanha: Verbo Divino, 1994), onde nem ao menos aparece qualquer alusão ao texto de João 8:1-11. Por outro lado, John Fisher, um dos oponentes de Lutero, publicou em 1508 uma exposição homilética na qual ele identificava Maria Madalena como sendo a mulher surpreendida em adultério (Jaroslav Pelican, The Christian Tradition, vol. 4, pág. 131). Mais recentemente, Morris Venden popularizou essa interpretação nos meios adventistas através do seu livro Como Jesus Tratava as Pessoas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1989), capítulo 2. Mas aabordagem de Venden é igualmente homilética, sem quaisquer tentativas de comprovação para suas idéias.
Alguém poderia buscar endosso para a referida associação nas declarações de Ellen White, acima mencionadas, onde ela fala da mulher surpreendida em adultério como uma das mais dedicadas seguidoras de Cristo e como uma das mulheres que permaneceu ao pé da cruz por ocasião da crucifixão.
Mas não podemos nos esquecer que Maria Madalena não foi a única mulher com essas características (ver Luc. 23:44-56).
Seja como for, qualquer tentativa de identificação entre a mulher surpreendida em adultério com Maria Madalena não passa de mera inferência não sugerida explicitamente pelo texto bíblico ou pelos escritos de Ellen White. Portanto, essa teoria deveria ser considerada uma opinião pessoal de quem a advoga, sem o apoio dos comentaristas bíblicos.
Fonte: publicado na Revista do Ancião em abril-junho 2004