Introdução

Como parte de sua missão mundial, os adventistas do sétimo dia têm um firme compromisso de prover cuidados de saúde que preservem e restaurem o ser humano em sua totalidade.  Por totalidade queremos dizer o desenvolvimento das dimensões físicas, intelectuais, sociais e espirituais da vida de uma pessoa, unificada através de um relacionamento amoroso com Deus e expressado através de serviço aos outros. Devido os adventistas crerem que cada ser humano é criado à imagem de Deus como uma pessoa única, ao invés de uma dualidade de corpo e alma, cremos num ministério de graça que afeta todos os aspectos da vida humana, incluindo o bem-estar físico e emocional.

O ministério ao ser humano em sua totalidade leva os adventistas do sétimo dia a se preocuparem com a difusão da prática de mutilação feminina.[1] Geralmente chamada de “circuncisão feminina” ou, mais recentemente, “corte genital feminino”, tais práticas atualmente afetam milhões de mulheres e meninas a cada ano. Estas estatísticas não incluem  meninas que morrem como resultado das formas mais radicais de mutilação genital. Estas práticas vão desde a excisão do prepúcio clitoral à completa remoção da vulva com estreitamento da abertura vaginal. Nossa preocupação central, expressa nesta declaração de princípios, é para com todas as formas de danos que levem à disfunção física ou trauma emocional. Além disso, tais procedimentos são frequentemente realizados com instrumentos sujos, sem anestesia em jovens meninas entre quatro e doze anos de idade. Hemorragia, choque, infecção, incontinência, dano aos órgãos em redor e cicatrizes são resultados frequentes.  Além do dano físico, a mutilação genital é também emocionalmente traumática.

Mulheres que foram sujeitas à mutilação genital também são frequentemente afligidas com uma variedade de problemas de saúde de caráter ginecológico, incluindo fístulas, infecções crônicas e problemas com a menstruação. No casamento, a relação sexual é geralmente dolorosa, traumática, fazendo-se necessário uma reabertura da cavidade vaginal. O nascimento de um bebê  pode também ser impedido em função das cicatrizes da cavidade vaginal. Por vezes, resultando na morte da mãe e da criança.

Nas culturas onde a mutilação genital feminina é prevalecente, a prática é considerada justificável por uma variedade de razões.  Crê-se , por exemplo, que tal mutilação preserva a virgindade das mulheres solteiras, ajuda a controlar seus impulsos sexuais, fortalece a fidelidade sexual para as mulheres casadas e aumenta o prazer sexual de seus maridos. Também acredita-se que a remoção de toda ou parte da genitália promove o asseio da mulher e torna o nascimento mais seguro para a criança. Devido a essas crenças, as mulheres que não passam por tais procedimentos podem ser consideradas inadequadas para o matrimônio. A despeito das evidências contra tais razões e a despeito de esforços de inúmeras organizações de direitos humanos, a prática da mutilação genital feminina continua em várias culturas, com uma prevalência que excede 90 por cento em alguns países.

Em algumas culturas, a mutilação genital feminina é defendida como uma forma de prática religiosa. Como os adventistas do sétimo dia defendem a proteção da liberdade religiosa, acreditam que o direito à prática da religião não justifica ferir outra pessoa. Assim, apelos à liberdade religiosa não justificam a mutilação genital feminina.

Princípios Bíblicos

A oposição da Igreja Adventista à mutilação genital feminina é baseada nos seguintes princípios bíblicos:

1) Preservação da vida e da saúde. A Bíblia apresenta a excelência da criação de Deus, incluindo a criação dos seres humanos (Gên. 1:31; Sal. 139:13,14). Deus é a Fonte e o Mantenedor da vida humana (Jó 33:4; Sal. 36:9; João 1:3,4; Atos 17:25,28). Deus nos chama à preservação da vida humana e responsabiliza a humanidade por sua destruição (Gên. 9:5,6; Êxodo 20:13; Deut. 24:16; Jer. 7:3-34). O corpo humano é “o templo do Espírito Santo” e os seguidores de Deus são motivados a cuidar e preservar seus corpos, incluindo o dom da sexualidade dada por Deus, como uma responsabilidade espiritual (I Cor. 6:15-19). Por causa da mutilação genital feminina ser danosa à saúde, ameaçadora à vida e prejudicial à função sexual, é incompatível com a vontade de Deus.

2) Benção da intimidade marital. As Escrituras celebram o presente divino da intimidade sexual dentro do matrimônio (Ecl. 9:9; Prov. 5:18,19; Cant. 4:16-5:1; Heb. 13:4). A prática da mutilação genital feminina deveria ser renunciada pois ameaça o desígnio do Criador para a experiência prazerosa da sexualidade por pessoas casadas.

3) Procriação saudável. Para pessoas casadas, o presente da união sexual pode ser abençoado mais tarde pelo nascimento de uma criança (Sal. 113:9; 127:3-5; 128:3; Prov. 31:28). O fato de que um nascimento bem-sucedido é ameaçado pela mutilação genital feminina, é mais uma razão para oposição à essa prática.

4) Proteção de pessoas vulneráveis. As Escrituras prescrevem que esforços especiais sejam feitos para cuidar daqueles que são mais vulneráveis (Deut. 10:17-19; Sal. 82:3,4; Sal. 24:11,12; Isa. 1:16,17; Luc. 1:52-54). Jesus ensinou que as crianças deveriam ser amadas e protegidas (Mar. 10:13-16; Mat. 18:4-6). A mutilação genital de meninas jovens viola o mandato bíblico de salvaguardar as crianças e protegê-las de danos e abusos.

5) Cuidado compassivo. O amor pelo próximo leva os cristãos a prover cuidado compassivo àqueles que sofreram danos (Luc. 10:25-37; Isa.61:1). Os cristãos são chamados a tratar com compaixão aqueles que sofreram trauma físico e emocional causado pela mutilação genital feminina.

6) Compartilhar a verdade. Os cristão são chamados a vencer o erro expressando a verdade de uma maneira amorosa. (Sal. 15:2,3; Efés. 4:25). A verdade fundamental do evangelho tenciona livrar as pessoas de todo o tipo de escravidão pelo pecado (João 8:31-36). Assim, os cristãos devem compartilhar informações acuradas sobre o dano da mutilação genital feminina e as crenças que fundamentam essa prática.

7) Respeito pela cultura. Os cristãos devem ter percepção e respeito para com as diferenças culturais (I Cor. 9:19-23; Rom. 12:1,2). Ao mesmo tempo, cremos que os princípios divinos transcendem as tradições culturais (Dan. 1:8,9; 3:17,18; Mat 15:3; Atos 5:27-29). Os princípios fundamentais das Escrituras proveem uma base para a transformação de práticas culturais. Embora estamos cientes de que a mutilação genital feminina é firmemente arraigada em muitas culturas, concluímos que essa prática é incompatível com os princípios divinos revelados.

Conclusão

Devido a mutilação genital feminina ameaçar a saúde física, emocional, os adventistas do sétimo dia se opõem a essa prática. A Igreja conclama seus profissionais de saúde, instituições médicas e educacionais e todos os membros junto com pessoas de boa vontade para cooperarem nos esforços para eliminar a prática da  mutilação genital feminina. Através da educação e da apresentação amorosa do Evangelho, é nossa esperança e nossa intenção que aqueles ameaçados ou sujeitos a tais práticas encontrem proteção, conforto e cuidado compassivo.


Este documento foi adotado pela Comissão da Associação Geral – Visão Cristã da Vida Humana  em abril de 2000 e foi direcionado aos departamentos e instituições da Igreja Adventista do Sétimo Dia que acharem útil o conteúdo deste material.


 


[1]  “Atualmente,  os diferentes tipos de mutilação genital feminina  realizados são classificados como:

Tipo I – Excisão do prepúcio, com ou sem excisão de parte de todo o clitóris.

Tipo II – Excisão do clitóris com excisão parcial ou total dos pequenos lábios.

Tipo III – Excisão de parte ou de toda a genitália externa e estreitamento da abertura vaginal.

Tipo IV – Não classificado: inclui perfuração, incisão do clitóris e/ou lábios; cauterização pela queima do clitóris e dos tecidos que o rodeiam; raspagem dos tecidos que circundam o orifício vaginal ou corte da vagina; introdução de substâncias corrosivas ou ervas na vagina para causar sangramento ou com o propósito de estreitá-la e qualquer outro procedimento que se enquadra na definição de mutilação genital feminina dada acima.”

Esta classificação foi tirada de Mutilação Genital Feminina: A Joint WHO, UNICEF, UNFPA Statment. Publicado pela Organização Mundial de Saúde, Genebra, 1997.