Por Helio Carnassale, Diretor do Espírito de Pofecia para a Divisão Sul-Americana no período 2015-2021. 

 

Em tempos de crise e tensão ressurge no meio dos adventistas o interesse sobre os eventos finais, tema esse que deveria ser objeto de contínua e cuidadosa reflexão, pois Ellen White, mensageira e co-fundadora da Igreja Adventista, recomendou: “deve- se fazer um grande esforço para manter este assunto perante o povo”.i Entretanto, em situações ameaçadoras surgem alusões escatológicas de todos os perfis, e entre elas, as que exortam o abandono imediato das grandes cidades. O objetivo deste artigo é considerar o que existe revelado sobre essa questão nos escritos inspirados. 

É gratificante constatar como Deus cuida de Seus filhos e como as orientações divinas são bênçãos para cada situação da vida. Em II Crônicas 36:15, lemos que o Senhor enviou mensageiros “porque se compadecera de seu povo”. A iniciativa em comunicar- se por meio de profetas (Números 12:6; Hebreus 1:1) é um gesto de Sua misericordiosa compaixão. Crer no testemunho desses porta-vozes e aceitar a manifestação moderna do dom profético, é uma marca identificadora do remanescente (Apocalipse 12:17; 19:10). 

O teólogo Denis Fortin, um dos editores da Enciclopédia Ellen G. White (CPB, 2018), destaca os argumentos principais em torno dos quais giram os apelos de Ellen White para as famílias adventistas mudarem para áreas rurais, conforme citações encontradas em Vida no Campo, publicado em inglês em 1946. Ele afirma que a maioria desses conselhos foi escrita entre 1890 e 1910 e teve como propósito incentivar um estilo de vida mais simples, o desenvolvimento do caráter e a obtenção de melhor saúde física, mental e espiritual.ii  

Uma abordagem consciente e equilibrada acerca desse tema, deve levar em conta pelo menos quatro aspectos: (1) A recomendação de vida no campo, com suas vantagens e desafios; (2) A fuga das grandes cidades no contexto do decreto dominical; 

(3) O tempo para vender propriedades; (4) O compromisso evangelístico da Igreja Adventista.  

A recomendação de vida no campo, com suas vantagens e desafios 

É inegável o conjunto de recomendações e correspondentes razões deixadas para que os adventistas do sétimo dia possam optar por viver junto à natureza. Ellen White escreveu sobre isso em várias ocasiões e esses conselhos estão registrados em muitosde seus livros e guardam estreita relação com a proposta de um estilo de vida saudável e demais condições que contribuem para o desenvolvimento do caráter. 

Além dos perigos e riscos de se viver nas cidades grandes, são destacadas muitas vantagens da vida no campo. Algumas delas são: (1) Proporciona melhor ambiente para a família e para a educação dos filhos; (2) Gera oportunidade para uma vida mais espiritual e missionária; (3) Permite afastar-se dos elementos nocivos e tentadores das cidades; (4) Facilita a edificação do caráter; (5) Oferece benefícios físicos, mentais e espirituais para todos os membros da família; (6) Propicia cultivar a terra e produzir os próprios alimentos; (7) Possibilita estar em contato direto com as obras de Deus na natureza. 

Ela escreveu em 1903: “Deve-se sair das grandes cidades o mais depressa possível e adquirir um pedaço de terra, onde seja possível ter um jardim em que os filhos vejam as flores crescer e delas aprendam lições de simplicidade e pureza”.iii Esse parágrafo sugere que o tempo para sair das grandes cidades deve ser o mais depressa possível. Isso pode ser claramente compreendido, pela leitura do livro Vida no Campo (CPB, 1983) ou do capítulo “Vida no campo” de Eventos Finais (CPB, 2014), ambos de autoria de Ellen White, publicados pela Casa Publicadora Brasileira, editora oficial dos adventistas do sétimo dia no Brasil. 

A mensagem para sair das grandes cidades o mais depressa possível, como muitos outros conselhos de Ellen White, tinham como pano de fundo a convicção da iminência da volta de Cristo e um senso de urgência para a pregação do evangelho, que caracterizou os pioneiros adventistas. Mas a recomendação de mudança para o campo também é apresentada com o reconhecimento de que alguns poderiam ter dificuldades para deixar tudo imediatamente; e, sem condená-los, ela indica qual deveria ser a conduta desses irmãos: “Mas até que seja possível sair, durante todo o tempo que permanecerem ali, devem ser muito ativos em fazer trabalho missionário, por mais limitada que seja sua esfera de influência”.iv 

Assim, Ellen White apela para sair o quanto antes e, ao mesmo tempo, admite a existência de impedimentos circunstanciais aceitáveis, porém com a recomendação de uma vida missionária ativa. Deve-se observar ainda, as orientações deixadas para uma cuidadosa avaliação e planejamento envolvidos na mudança e o caráter pessoal dessa decisão. Na seção VII do livro Vida no Campo, acha-se uma carta que ela escreveu em 1892, em resposta à notícia recebida de que muitas famílias estavam se preparando para deixar a cidade de Battle Creek, então sede do adventismo. Foram separados dois trechos: 

Primeiro, recomendando cuidadosa avaliação: “Vossa carta me diz, meu irmão, que há muitas pessoas que estão profundamente empolgadas no sentido de se mudarem de Battle Creek. Há necessidade, grande necessidade, de esse trabalho ser feito, e agora. Aqueles que têm consciência disto, finalmente, devem se mudar, mas não o façam às pressas, com excitação, de maneira precipitada ou de um modo em que, no futuro, se tenham de arrepender profundamente de se haverem mudado”.v Segundo, agir com planejamento e cautela: “Nada se faça de maneira desordenada, para que não haja grande perda ou sacrifício de propriedade, devido a discursos ardentes e impulsivos que despertam um entusiasmo que não é segundo a vontade de Deus; para que, por falta de equilibrada moderação, da devida reflexão, e de sãos princípios e propósitos, uma vitória que necessitava ser ganha se transforme em derrota”.vi 

Mais um conselho precioso foi dado: “Pode haver indivíduos que façam tudo precipitadamente e entrem em algum negócio de que nada sabem. Deus não exige tal coisa. Pensai com simplicidade, de maneira piedosa, estudando a Palavra de Deus com todo cuidado e devoção, tendo o espírito e o coração abertos para ouvir a voz de Deus”.vii Ao se estudar o conjunto das declarações de Ellen White e não se fixar apenas em citações isoladas, fica claro, que sair das cidades e mudar para o campo é uma forte RECOMENDAÇÃO, mas não é um mandamento. Importante destacar que a decisão de deixar as grandes cidades e mudar para o campo é de caráter estritamente individual, resultante de comunhão pessoal com Deus, mediante avaliação e planejamento conscientes e jamais deve acontecer como resultado da pressão de discursos acalorados e alarmistas. 

A fuga das grandes cidades no contexto do decreto dominical 

Para uma visão mais ampla deste tema, a questão do decreto dominical precisa ser introduzida como um elemento adicional à recomendação dada e considerada no tópico anterior, relacionada ao estilo de vida. Em dois testemunhos escritos em 1885, “A crise vindoura” e “A Igreja, a luz do mundo”, encontrados no livro Testemunhos Para a Igreja 5 (CPB, 2004), Ellen White faz veementes apelos aos crentes do advento para se envolverem mais comprometidamente com a missão. Nesses capítulos, três parágrafos mencionam o decreto dominical. As citações são: 

Primeira: “O decreto que será promulgado contra o povo de Deus há de oferecer muita semelhança com o de Assuero contra os judeus nos dias de Ester. O edito persa se originara na maldade de Hamã contra Mardoqueu, não porque lhe houvesse feito mal, mas porque se recusara a tributar-lhe a reverência que só a Deus é devida”.viii Segunda: “Como a aproximação dos exércitos romanos foi um sinal para os discípulos da iminente destruição de Jerusalém, assim essa apostasia será para nós um sinal de que o limite da paciência de Deus está atingido, que as nações encheram a medida de sua iniquidade, e o anjo da graça está a ponto de dobrar as asas e partir da Terra para não mais tornar”.ix 

E a terceira: “Como o cerco de Jerusalém pelos exércitos romanos era o sinal de fuga para os cristãos judeus, assim o arrogar-se nossa nação o poder para decretar obrigatório o dia de repouso papal, será uma advertência para nós. Será então o tempode deixar as grandes cidades, passo preparatório para sair das menores para lares retirados em lugares solitários entre as montanhas”.x Recomenda-se estudar as várias citações de Ellen G. White acerca desse assunto, reunidas no livro Eventos Finais, para claro entendimento da natureza e características do decreto, evitando confusão com outras leis dominicais. 

Sobre o sinal indicado para os judeus cristãos deixarem Jerusalém quando esta fosse cercada, apesar da aparente impossibilidade, sabe-se que houve um tempo entre o primeiro cerco conduzido por Céstio, que voltou para Roma inesperadamente, dando assim oportunidade para fuga, conforme a orientação de Cristo, e a chegada do General Tito, que conduziu as tropas romanas na tomada da cidade.xi O primeiro cerco foi o sinal. Da mesma forma, os adventistas devem estar atentos para os sinais da imposição de um decreto dominical, para que quando este venha a ser imposto, muitos já tenham atendido à recomendação e essa fuga seja para aqueles que por motivos justos não tenham conseguido sair antes. 

No livro Vida no Campo, esse parágrafo aparece no último capítulo e recebeu o título “Fuga de Emergência no Conflito Final”xii, indicando que esse será o tempo limite para deixar as grandes cidades e que o fim do tempo do fim estará muito perto. Não há nenhuma outra citação de Ellen White que permita uma interpretação diferente para fuga das grandes cidades, como saída emergencial, que não seja esta por ela apresentada. Todavia, existe uma séria advertência quanto a deixar de atender ao sinal: “Dentro em breve haverá tal luta e confusão nas cidades, que os que as quiserem abandonar não o poderão fazer.”xiii 

Não há revelação dos detalhes de como viverá o povo de Deus entre o decreto dominical e o fechamento da porta da graça. Lendo com muita atenção a terceira citação de Ellen White mencionada acima, sabe-se que ainda se poderá viver por um período de tempo em áreas rurais e pequenas cidades, até a chegada do decreto de morte. Mas como serão esses dias? Como as pessoas se manterão? Já terá chegado o tempo para vender as propriedades, casas e sítios, para empregar os recursos na pregação do evangelho, antes de abandonar tudo e fugir para lugares isolados entre montanhas? Simplesmente não há revelação que responda essas questões, a não ser que o Senhor orientará quando e por quanto as propriedades deverão ser vendidas, como se verá no próximo tópico. Que oportunidade para se exercer fé e confiança nAquele que não pode errar e, como Pai amoroso, promete cuidar de Seus filhos. 

Portanto, fica muito claro que sair das grandes cidades envolve três circunstâncias distintas: (1) Busca do estilo de vida recomendado para ser atendido a qualquer momento e o quanto antes possível; (2) Ordem divina para fuga dos grandes centros por ocasião do decreto dominical; (3) Tempo em que não será mais possível sair. 

O tempo para vender as propriedades 

Outro aspecto extremamente importante é o tempo apropriado para a venda de propriedades, estejam elas localizadas nas cidades ou no campo. Deus revelou detalhes por meio do dom profético, confirmando que “não fará coisa alguma, sem primeiro revelar o seu segredo aos seus servos, os profetas” (Amós 3:7). Como em qualquer outro assunto, se alguém isolar uma frase do contexto, chegará a uma conclusão precipitada e errada. São muito claras, coerentes e suficientes as orientações, mas precisamos prestar atenção no conjunto das declarações. 

“Deus pede aos que têm posses em terras e casas, que as vendam para empregar o dinheiro onde for suprir a grande necessidade no campo missionário. […] Homens e mulheres pobres me escrevem pedindo conselho quanto a deverem eles vender sua morada e darem o resultado à causa. […] A esses eu diria: ‘Talvez não seja dever vosso venderdes vossa casinha agora; buscai, porém, a Deus, vós mesmos; certamente o Senhor vos ouvirá a sincera oração pedindo sabedoria’…”.xiv Se apenas a primeira frase deste parágrafo fosse considerada, quanta confusão esse conselho poderia gerar! 

Ellen White amplia ainda mais os conselhos sobre esse assunto: “O Senhor tem- me mostrado repetidamente que é contrário à Bíblia, fazer qualquer provisão para o tempo de angústia. […] Casas e terras não serão de nenhuma utilidade para os santos no tempo de angústia. […] Se puserem sua propriedade no altar do sacrifício e ferventemente inquirirem de Deus quanto ao seu dever, Ele lhes ensinará sobre quando dispor dessas coisas. […] Vi também que Deus não requeria que todo o Seu povo dispusesse de suas propriedades ao mesmo tempo; mas se desejassem ser ensinados, Ele os ensinaria, em tempo de necessidade, quando vender e por quanto vender”.xv 

Que preciosa revelação! Temos que aprender o que significa verdadeiramente viver pela fé. Nada mais precisa ser acrescentado. Que bênção é poder ser guiado pela luz completa da palavra profética! Deus seja louvado por essa maravilhosa dádiva. 

O compromisso evangelístico da Igreja Adventista 

O quarto e último tópico proposto neste artigo é o compromisso evangelístico dos adventistas. Em geral, concentra-se neste ponto um campo de tensão definido por George R. Knight, autor e historiador adventista, como “situação ambivalente”.xvi Por um lado, estão as afirmações já mencionadas sobre as vantagens de se viver no campo, e no outro, a necessidade de evangelização das cidades, pequenas e grandes, cuja negligência foi corrigida por Ellen White em seus testemunhos, escritos especialmente entre 1901 e 1910. A questão não era se os adventistas deveriam trabalhar ou não nas grandes cidades, mas sim como fazê-lo. 

Evangelismo a partir de postos avançados 

Em seus escritos desse período, aparece algumas vezes o conceito de “evangelismo de posto avançado”.xvii Escreveu ela em 1902: “Deve-se fazer o trabalho nas cidades partindo de postos avançados. Disse o mensageiro de Deus: ‘Não serão advertidas as cidades? Sim; não por o povo de Deus nelas morar, mas por visita-las para adverti-las do que está para sobrevir à Terra’”.xviii Num artigo publicado pela Review and Herald, em 14 de abril de 1903, lê-se: “É o propósito de Deus que nosso povo se localize fora das cidades e de centros avançados, advirta as cidades e ergam nelas memoriais para o Senhor”.xix Essas afirmações parecem radicalmente inflexíveis, porém, uma vez mais, o contexto deve ser buscado para um correto entendimento do que ela está falando. 

Uma preciosa ajuda para compreensão do significado dessas citações, vem do seguinte comentário de George R. Knight: “Essas duas declarações são semelhantes a muitas outras que ela escreveu ao longo dos anos. Como resultado, alguns têm sustentado que, na perspectiva de Ellen White, é errado estabelecer obreiros evangelistas dentro das cidades. Essa posição, no entanto, toma em consideração apenas parte de seu conselho. É muito fácil não examinar tudo o que ela escreveu sobre o tema ou mesmo negligenciar a leitura cuidadosa do contexto de suas citações”.xx 

Na busca do significado dado por ela para evangelismo a partir de postos ou centros avançados, necessita-se acessar outras citações, fundamentais para o correto entendimento desse conceito. A primeira delas diz: “Deus nos tem enviado uma advertência após outra de que nossas escolas, casas publicadoras e sanatórios devem ser estabelecidos fora da cidade, em lugares em que a juventude possa ser ensinada com maior eficiência acerca da verdade”.xxi 

“Repetidamente nos vem o Senhor instruindo que devemos fazer o trabalho nas cidades partindo de centros da periferia. Nessas cidades, devemos ter casas de culto, como memoriais de Deus, mas as instituições para a publicação de nossa literatura, para a cura dos enfermos e para o preparo de obreiros, devem ser estabelecidas fora das cidades. Está em harmonia com esta instrução, terem as casas de culto sido compradas e rededicadas em Washington e em Nashville, enquanto as casas publicadoras e os sanatórios desses centros se têm estabelecido fora do coração congestionado das cidades, como postos avançados”.xxii 

Não resta dúvidas que Ellen White trata de postos ou centros avançados em conexão exclusivamente com algumas instituições adventistas – casas publicadoras, colégios e sanatórios. Estas deveriam estar localizadas em áreas afastadas do centro das cidades e, a partir daí, como postos ou centros avançados, além de cumprir as atividadesinternas, seus obreiros deveriam sair para evangelizar as cidades próximas. As 22 vezes em que são encontradas as expressões postos ou centros avançados em vários de seus livrosxxiii, referem-se invariável e especificamente a essas instituições. 

Atividades para serem exercidas nas cidades 

É verdade também que ela reconhecia a necessidade de abrir igrejas (as quais ela chama memoriais de Deus e casas de culto, como visto acima), “restaurantes”xxiv e “salas de tratamento”xxv, dentro das cidades. Em 1903, a abertura de escolas foi acrescentada à essa lista: “Muito mais se pode fazer para salvar e educar os filhos dos que atualmente não podem sair das cidades. Esta é uma questão digna dos nossos melhores esforços. Devem-se estabelecer escolas de igreja para as crianças que estão nas cidades e, em ligação com essas escolas, devem-se tomar providências para o ensino de estudos mais elevados, onde estes forem exigidos”.xxvi 

A preocupação de Ellen White com a obra a ser feita nas cidades era grande. Um texto que muito bem representa suas insistentes recomendações, foi escrito em 1910: “Embora uns poucos locais tenham sido penetrados, deviam-se estabelecer muitos centros nos quais se empregariam centenas de obreiros. Em cada cidade devia haver uma missão urbana, que fosse uma escola de preparo para obreiros. Muitos de nossos irmãos são passíveis de condenação à vista de Deus, porque não têm feito o trabalho que Ele queria que fizessem.”xxvii Os chamados “centros de influência” estão agora sendo resgatados pela Igreja Adventista como estratégia de missão urbana ao redor do mundo.xxviii 

No volume 9 da série Testemunhos Para a Igreja (CPB, 2006), que reúne conselhos escritos por ela entre 1904 e 1909, encontra-se uma citação a respeito da necessidade de se atender as famílias negras que viviam no sul dos Estados Unidos. Ela afirmou: “Tanto quanto possível, devem as escolas serem abertas fora das cidades. Entretanto, nas cidades existem muitas crianças que não podem ir à escola se esta se localizar fora; em benefício das mesmas, sejam também abertas escolas nas cidades, tanto quanto no campo”.xxix 

Sabedoria, equilíbrio e bom senso 

Esse não é um caso isolado em que ela apresenta uma alternativa à uma posição que antes parecia única, radical e inflexível. Foi assim com a posição correta para orarxxx; o lugar da reforma de saúde na nossa mensagemxxxi; a idade adequada para crianças irem à escolaxxxii; e tantos outros assuntos. É por isso que se necessita sabedoria e equilíbrio para buscar as várias declarações acerca de um tema, bem como o contexto em que foram pronunciadas, a fim de não se fazer mau uso e distorcer o propósito de seus conselhos e recomendações. Falando sobre a reforma de saúde, ela deixou um conselho que pode ser aplicado ao uso geral de seus escritos: “Vemos os que escolhem as expressões mais fortes dos testemunhos e sem fazer uma exposição ou um relato das circunstâncias em que são dados os avisos e advertências, querem impô-los em todos os casos. Assim eles produzem maléficas impressões na mente das pessoas”.xxxiii 

Ela também afirmou: “Deus quer que todos nós tenhamos bom senso e deseja que raciocinemos movidos por senso comum. As circunstâncias modificam a relação das coisas”.xxxiv É realmente impressionante como ela mesma reconheceu que as circunstâncias podem ocasionar mudanças. Essa é uma afirmação para ser analisada com profunda oração e reflexão. A partir daí podem ser levantadas algumas perguntas intrigantes: como aplicar os conselhos de Ellen White num mundo onde a maioria da população está vivendo em zonas urbanas? Que dizer das pessoas pobres que não têm recursos para comprar um pedaço de terra? Embora não seja propósito deste artigo responder essas questões, elas se tornam um convite para estudo e consideração. 

George R. Knight confirma uma posição aceita por muitos estudiosos, que existe uma diferença entre o ideal de Deus e o real humano. Ele afirma que Ellen White era mais flexível com seus próprios escritos do que as pessoas conseguem perceber. Ela entendia que muitas vezes a realidade humana conduzia a uma aceitável modificação do ideal divino.xxxv Isso se harmoniza com que apresenta Herbert E. Douglass, teólogo, professor e escritor adventista, em Mensageira do Senhor (CPB, 2001), ao abordar os princípios de interpretação dos escritos proféticos. Ele reconhece a necessidade de se fazer diferença entre normas e princípios.xxxvi Essa posição não conduz à relativização de princípios, que são eternos, mas prevê acomodação razoável para atender aos conselhos e normas, conforme as circunstâncias o exijam. 

Evangelismo nas cidades 

Uma pergunta inquietante e que necessita ser respondida é: o que Ellen White tem a dizer sobre obreiros e outras famílias que necessitam viver nas grandes cidades? Seria essa possibilidade considerada uma rebelde desobediência à luz das recomendações para a vida no campo? Um bom começo é considerar o exemplo de Cristo. Tendo vivido a infância e a juventude numa “pequenina aldeia”xxxvii, entre as montanhas, Jesus usufruiu da tranquilidade dos arredores de Nazaré, onde buscava os lugares retirados para comunhão com o Paixxxviii; mas, também elegeu Cafarnaum para exercer o ministério. 

Ellen White acrescenta: “Durante Seu ministério terrestre, o Salvador prevaleceu- Se das oportunidades oferecidas pelos grandes centros de comunicação. Cafarnaum, onde Jesus ficava nos intervalos de Suas viagens de um lado para outro, se tornou conhecida como ‘sua cidade’. Essa cidade bem se adaptava a ser o centro do trabalho do Salvador. Localizada junto à estrada principal de Damasco a Jerusalém e ao Egito, bem como para o Mar Mediterrâneo, era uma grande via de comunicação. Gente de muitas terras atravessava a cidade, ou ali se demorava para descansar, em suas jornadas de um lado para o outro. Ali, Jesus podia encontrar pessoas de todas as nações e todas as classes sociais; ricos e poderosos, assim como pobres e humildes; Suas lições seriam levadas a outros países e para muitos lares. Desse modo era estimulado o estudo das profecias; e as atenções se voltavam para o Salvador, e Sua missão era levada perante o mundo”.xxxix Jesus estava e ia onde podia encontrar as pessoas, com o intuito de lhes apresentar a salvação. Esse deve ser nosso principal propósito de vida. 

Fazendo a aplicação do exemplo de Cristo para os nossos dias, Ellen White afirmou: “Cristãos que vivem nos grandes centros de comércio têm oportunidades especiais. Crentes dessas cidades podem trabalhar em favor de Deus na vizinhança de seus lares.”xl Ressalta-se nessas citações a clara admissão de Ellen White para famílias que vivem nas cidades, justificada por um propósito superior, isto é, o cumprimento da missão de evangelizar, objetivo este que vale tanto para aqueles que permanecem nos centros urbanos, como para os que decidem fixar residência nas áreas rurais. 

Mais um exemplo do papel de famílias e obreiros adventistas que moram e trabalham nas grandes cidades, vem dos cristãos da igreja primitiva. Ellen White escreveu: “O exemplo dos seguidores de Cristo em Antioquia deve servir de inspiração para todos os crentes que vivem atualmente nas grandes cidades do mundo. Conquanto esteja no plano de Deus que obreiros escolhidos, de consagração e talento, sejam enviados a importantes centros de população para realizar conferências públicas, é também Seu propósito que os membros da igreja que vivem nessas cidades usem os talentos que Deus lhes deu trabalhando em favor das pessoas. Ricas bênçãos estão preparadas para os que se entregam sem reservas ao chamado de Deus”.xli 

Outra advertência é encontrada no capítulo 16 do livro Serviço Cristão e orienta os adventistas a não formarem colônias, nem se agrupar em grandes comunidades. Contra essa tendência, ela recomendou: “Deus tem por desígnio que se disseminem por todo país, nas cidades e vilas, como luzes em meio às trevas”.xlii Ela incentivou os membros a mudarem-se para “cidades e vilas” onde houvesse pequena ou nenhuma luz. Vê-se claramente que o foco maior é o cumprimento da missão. O atender ao “Ide” é mais importante do que o lugar onde as pessoas decidem morar, seja na cidade ou no campo, nunca menosprezando os riscos reais existentes nos tempos modernos, comuns a todos os lugares, em especial nas grandes cidades. Em 1908 ela reconheceu que: “Alguns devem permanecer nas cidades para dar a última nota de advertência, mas ficará cada vez mais perigoso fazer isso”.xliii Há muitos riscos em todas as partes. Porém o real perigo está em negligenciar a comunhão com Deus e a tarefa de testemunhar, estejam as pessoas vivendo no campo ou nas cidades. 

Conclusão 

Deus idealizou um plano para que Seus filhos possam viver de forma mais plena o estilo de vida que Ele recomendou. O conselho divino é morar no campo, desde que não se perca o objetivo maior do cumprimento da missão. O tempo recomendado para essa mudança, é o quanto antes possível, segundo consciente decisão individual ou famíliar, resultante da comunhão com Deus e cuidadoso planejamento. Ao mesmo tempo, o Senhor reconhece que para alguns, por diversas razões, existem objetivos evangelísticos e impedimentos circunstanciais para deixar os centros urbanos imediatamente, não sendo passíveis de condenação por isso. Mas chegará o tempo, quando o decreto dominical for promulgado, que a ordem para fuga emergencial das grandes cidades deverá ser obedecida. 

Membros e pastores da Igreja necessitam despertar, pois há um trabalho a ser feito em toda parte,nas áreas mais afastadas,nas pequenas e grandes cidades.A comissão evangélica é a carta magna missionária do reino de Cristo.Os discípulos deviam trabalhar fervorosamente pelas pessoas, dando a todas o convite de misericórdia. Não deviam esperar que o povo viesse a eles; deviam eles ir ao povo com sua mensagem.”xliv Deus chama obreiros assalariados e voluntários, famílias e jovens, grandes e pequenos, para aceitarem o desafio de serem sal da terra e luminares do mundo. Que cada um ore a esse respeito e busque, sob a direção divina, qual é o seu lugar nessa grande obra. As promessas e advertências estão à disposição de todos. Graças a Deus pela clareza dos testemunhos e por ser dada luz suficiente para que ninguém fique em trevas. “Crede no Senhor vosso Deus e estareis seguros; crede nos seus profetas e prosperareis” (II Crônicas 20:20). 


Notas e Referencias

i. White, Ellen G. Fundamentos da Educação Cristã. Casa Publicadora Brasileira, 1975, p. 336.
ii. Fortin, Denis. “Vida no Campo”. Fortin, Denis & Moon, Jerry (edit.). Enciclopédia Ellen G. White. Casa Publicadora Brasileira, 2018, p. 1361.
iii. White, Ellen G. Eventos Finais. Casa Publicadora Brasileira, 2014, p. 61.
iv. Idem, p. 76
v. White, Ellen G. Vida no Campo. Casa Publicadora Brasileira, 1983, p. 37.
vi. Idem, p. 39-40.
vii. Idem, p. 38-39.
viii. White, Ellen G. Testemunhos Para a Igreja, v. 5. Casa Publicadora Brasileira, 2004, p. 450.
ix. Idem, p. 451.
x. Idem, p. 464-465.
xi. White, Ellen G. O Grande Conflito. Casa Publicadora Brasileira, 1988, p. 30.
xii. White, Ellen G. Vida no Campo. Casa Publicadora Brasileira, 1983, p. 47.
xiii. White, Ellen G. Mensagens Escolhidas, v. II. Casa Publicadora Brasileira, 1986, p. 142.
xiv. White, Ellen G. Testemunhos Seletos, v. II. Casa Publicadora Brasileira, 1985, p. 330.
xv. White, Ellen G. Primeiros Escritos. Casa Publicadora Brasileira, 1988, p. 56-57.
xvi. Knight, George R. “Cidades, Vida nas”. Fortin, Denis & Moon, Jerry (edit.). Enciclopédia Ellen G. White. Casa Publicadora Brasileira, 2018, p. 755.
xvii. Ibidem.
xviii. White, Ellen G. Mensagens Escolhidas, v. II. Casa Publicadora Brasileira, 1986, p. 358.
xix. White, Ellen G. Evangelismo. Casa Publicadora Brasileira, 1959, p. 76.
xx. Knight, George R. “Cidades, Vida nas”. Fortin, Denis & Moon, Jerry (edit.). Enciclopédia Ellen G. White. Casa Publicadora Brasileira, 2018, p. 755.
xxi. White, Ellen G. Mensagens Escolhidas, v. II. Casa Publicadora Brasileira, 1986, p. 357.
xxii. Idem, p. 358.
xxiii. Knight, George R. “Cidades, Vidas nas”. Fortin, Denis & Moon, Jerry (edit.). Enciclopédia Ellen G. White. Casa Publicadora Brasileira, 2018, p. 756.
xxiv. White, Ellen G. Mensagens Escolhidas, v. II. Casa Publicadora Brasileira, 1986, p. 142.
xxv. White, Ellen G. Testemunhos Para a Igreja, v. 7. Casa Publicadora Brasileira, 2005, p. 60.
xxvi. White, Ellen G. Ministério Para as Cidades. Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 94-95.
xxvii. Idem, p. 94.
xxviii. https://missiontothecities.org/life-hope-centers
xxix. White, Ellen G. Testemunhos Para a Igreja, v. 9. Casa Publicadora Brasileira, 2006, p. 201.
xxx. White, Ellen G. Mensagens Escolhidas, v. II. Casa Publicadora Brasileira, 1986, p. 311-315.
xxxi. White, Ellen G. Testemunhos Para a Igreja, v. 1. Casa Publicadora Brasileira, 2000, p. 486 e 559.
xxxii. White, Ellen G. Mensagens Escolhidas, v. III. Casa Publicadora Brasileira, 1987, p. 214-226.
xxxiii. White, Ellen G. Mensagens Escolhidas, v. III. Casa Publicadora Brasileira, 1987, p. 285-286.
xxxiv. Idem, p. 217.
xxxv. Knight, George R. Introducción a los escritos de Elena G. de White. ACES, 2014, p. 282.
xxxvi. Douglass, Herbert E. Mensageira do Senhor. Casa Publicadora Brasileira, 2001, p. 397-398.
xxxvii. White, Ellen G. O Desejado de Todas as Nações. Casa Publicadora Brasileira, 1990, p. 68.
xxxviii. Idem, p. 90.
xxxix. White, Ellen G. Testemunhos Para a Igreja, v. 9. Casa Publicadora Brasileira, 2006, p. 121.
il. Idem, p. 122
ili. White, Ellen G. Atos dos Apóstolos. Casa Publicadora Brasileira, 1986, p. 158.
ilii. White, Ellen G. Serviço Cristão. Casa Publicadora Brasileira, 1974, p. 178.
iliii. White, Ellen G. Ministério Para as Cidades. Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 92.
iliv. White, Ellen G. Atos dos Apóstolos. Casa Publicadora Brasileira, 1986, p. 28.