Leonard Brand

Deus dá informações a seres humanos? Alguém ousaria questionar a crença de que Deus falou com Seus profetas? Novas informações publicadas num livro recente, The Prophet and Her Critics,1 procura responder a essas questões.

Ellen White foi líder, oradora e escritora de destaque nas primeiras décadas da denominação adventista do sétimo dia. Seu ministério estendeu-se desde 1844 até sua morte em 1915. Os adventistas do sétimo dia acreditam que ela foi porta-voz de Deus, recebendo informações através de visões, para o benefício dos adventistas e de outros. Ela registrou essas informações em livros e artigos, o que a tornou uma das autoras mais publicadas da história.

Os críticos têm questionado suas reivindicações acerca da recepção de comunicação divina, sustentando que, em vez disso, ela copiava suas idéias de outras fontes. Porções de seus escritos, de fato, mostram alguma similaridade com o que é encontrado em livros de outros autores que ela conhecia e lia. A questão é se esses autores eram a fonte de suas idéias ou, como ela própria dizia, a leitura desses livros apenas a ajudava a expressar melhor os conceitos que recebia da parte de Deus.

É correto questionar um profeta de Deus como fazem esses críticos? 1 Tessalonicenses 5:20-21, Deuteronômio 18:22 e Mateus 7:15-20 indicam claramente que existiriam verdadeiros e falsos profetas, e temos o direito e a responsabilidade de distinguir uns dos outros. Também somos compelidos a avaliar criticamente o trabalho daqueles que alegam haver julgado um suposto profeta, e achado que eles deixaram a desejar.

Propus-me a avaliar o trabalho dos críticos de Ellen White, juntamente com Don McMahon, um médico, que concluiu novas pesquisas para determinar se os princípios de saúde dessa senhora procederam de Deus, como ela alega, ou da abundante literatura do século dezenove produzida por outros reformadores de saúde2. Essa pesquisa oferece o que parece ser a primeira evidência científica sobre a natureza da inspiração.

Os críticos de Ellen White

Minha avaliação de três conhecidos críticos de Ellen White, Walter Rea3, Jonathon Butler4 e Ronald Numbers5, concentrou-se na qualidade de sua pesquisa. Será que eles utilizaram um método de pesquisa adequado? Coletaram seus dados de forma apropriada? Esses dados apóiam suas conclusões? Se tivessem apresentado seus trabalhos como teses de pós-graduação, teriam sido aprovados?

A alegação básica de Walter Rea é que frases ou mesmo séries de sentenças dos livros de Ellen White são idênticas ou muito similares a outros livros de sua biblioteca particular. Ele argumenta que isso refuta a reivindicação que ela faz de haver sido divinamente inspirada, e mostra que ela copiou suas idéias de outros. Porém, há muitas razões por que as evidências apresentadas por Rea não lhe sustentam as conclusões. Em primeiro lugar, o grau de semelhança não é tão grande quanto ele faz parecer. Isso pode ser determinado mediante uma análise cuidadosa dos exemplos citados em seu livro. Segundo, ele cita dois argumentos contra suas próprias conclusões, e seus esforços para refutar esses argumentos não convencem. Os dados que ele usa não podem provar tais argumentos. Terceiro, a principal linha de pensamento do livro todo está baseada numa lógica equivocada. Ele, de fato, apresenta evidência que refuta a alegação de que os escritos da Sra. White eram todos originais, ou de que eram verbalmente inspirados ou ditados por Deus. O problema é que ele então salta diretamente para a conclusão de que não pode ter havido uma comunicação divina.

Esse raciocínio rígido, no entanto, falha em considerar uma explanação intermediária, que pode ser encontrada na descrição que ela mesma apresenta sobre como escreveu seus livros. Sua reivindicação é de que Deus lhe falou, dando-lhe princípios os quais escreveu com suas próprias palavras. Ela esclarece que muitas vezes se sentia incapaz de expressar adequadamente esses conceitos, mas foi instruída de que seria melhor capaz de escrever de maneira clara se lesse outros livros no assunto6. Essa explanação é consistente com todos os dados de Walter Rea e, por isso, ele falha em não apresentar qualquer evidência que possa negar o papel da inspiração divina nos escritos de Ellen White. Assim é requerido outro tipo de evidência para testar sua reivindicação de inspiração.

Um artigo7 publicado num periódico, alegando que a compreensão de Ellen White acerca dos eventos finais da história terrena proveio de acontecimentos correntes em seus dias, também peca pela lógica equivocada e inadequada evidência. Não discutiremos esse artigo aqui. Vamos, porém, direto ao livro Prophetess of Health, de Ronald Numbers. Numbers pretende mostrar que Ellen White extraiu todos os princípios da reforma da saúde das obras de outros reformadores de seus dias. Havia vários deles no século dezenove, os quais publicaram muitos livros e artigos, sendo que alguns faziam parte da biblioteca particular de Ellen White e foram por ela sublinhados.

A principal visão de saúde que Ellen White teve ocorreu em junho de 1863, e no ano seguinte ela escreveu os princípios de um viver saudável no livro Spiritual Gifts. Ela afirmou não ter lido as obras de outros reformadores da saúde, senão após haver escrito a seção sobre saúde do Spiritual Gifts. Contudo, depois de escrever essa obra, a Sra. White surpreendeu-se ao encontrar muitos conceitos similares aos seus. Numbers não leva em conta a afirmação de Ellen White, e diz que antes da visão de 1863 “os adventistas do sétimo dia já dispunham dos elementos básicos da mensagem da reforma da saúde”.8

A história desses eventos provida por Numbers é instrutiva, mas seu uso da narração para determinar se os princípios de saúde foram revelados por Deus a Ellen White, está repleto de erros de lógica e evidência inadequada. Em primeiro lugar, uma pesquisa assim deve estar baseada numa listagem completa de seus princípios de saúde e também dos princípios de saúde de suas supostas fontes. Eles devem ser compilados com base nos mesmos critérios, a fim de proporcionar uma série de dados imparciais. Então, todos esses princípios podem ser comparados com as descobertas médicas modernas, visando a determinar quais deles foram cientificamente comprovados. De fato, o conhecimento médico está constantemente avançando e mudando diante de novas descobertas, de modo que essa regra não é absoluta. Entretanto, esse não é um problema muito sério, porque permite uma comparação do relativo grau de exatidão dos diferentes reformadores da saúde. Isso é adequado aos nossos propósitos. Numbers nem chega perto de fazer isso, mas usou evidência anedótica — uma comparação de uns poucos princípios de saúde — sem qualquer indicação de como escolheu esses exemplos, em vez de muitos outros que não discutiu.

Segundo, Numbers se concentrou nas semelhanças entre os princípios de Ellen White e os de outros reformadores, mas não discutiu as importantes diferenças existentes entre eles. Isso não é apropriado, pois um plano imparcial de pesquisa deve comparar tanto as similaridades quanto as diferenças.

Terceiro, Numbers não tentou analisar objetivamente a hipótese da inspiração divina, mas declarou explicitamente sua suposição de que os dados deveriam ser avaliados sem recorrência a essa hipótese. Mas um estudo mais culto visando a determinar se uma hipótese é verdadeira, não pode começar supondo que tal hipótese seja falsa.

Em resumo, os planos de pesquisa usados por esses críticos são igualmente insatisfatórios e não apresentam dados para apoiar suas alegações. Muitos livros foram escritos em resposta a esses críticos. Minha avaliação é que essas obras ajudam, mas não representam estudos meticulosos e objetivos, os quais são necessários para testar a hipótese da comunicação divina como fonte dos escritos de Ellen White. Não obstante, um novo estudo de seus escritos sobre saúde usou o plano de pesquisa apropriado, e oferece possibilidades de testar a comunicação divina dos princípios de saúde. Essa investigação foi feita por Don McMahon, um médico com larga experiência no estudo e divulgação de princípios médicos modernos de um viver saudável.

Testando a hipótese da inspiração divina

McMahon compilou uma lista de todos os conceitos de saúde contidos nos escritos de Ellen White e de outros destacados reformadores da saúde seus contemporâneos. A mesma abordagem foi usada para compilar cada uma dessas listas. Então esses conceitos foram todos comparados com a ciência médica moderna, e cada um deles avaliado como confirmado ou não pela medicina atual. Cada conceito de saúde foi então categorizado como um princípio de saúde ou uma explanação fisiológica de um princípio de saúde. Por exemplo, “beba muita água” é um princípio, uma declaração do que fazer. Uma explanação fisiológica não diria o que fazer, mas por que fazer. McMahon chamou os princípios de “ques”, e as explanações de “porquês”. Finalmente, a opinião médica contemporânea também foi utilizada para decidir se cada princípio de saúde (“que”) deve ter efeito pequeno ou significativo sobre a saúde.

Isso propiciou um banco de dados para o teste que havíamos estado procurando. Portanto, estamos prontos para testar duas hipóteses: (1) “os conceitos de saúde de Ellen White podem ser satisfatoriamente explicados como tendo sido tomados emprestados de outros reformadores da saúde seus contemporâneos”, e (2) “os escritos de saúde de Ellen White contêm informações que não podem ser explicadas como originárias dos conceitos de saúde disponíveis em seus dias; eles demonstram que ela deve ter recebido informação de uma fonte extra-humana”.9

Na década de 1950, a opinião médica era claramente contrária aos princípios de saúde de Ellen White, mas as novas pesquisas realizadas na segunda metade do século vinte mudaram isso. De 46 “ques” em Spiritual Gifts, 96% foram confirmados pela medicina moderna, sendo 70% deles significativos para a saúde, e 26% como tendo efeitos menores. Em contraste, os princípios de saúde (“ques”) de cinco outros reformadores da saúde estudados tiveram apenas de 35-45% de confirmação. Mas não é só isso. Quando comparamos a lista dos princípios não-confirmados de todos esses reformadores, a diferença entre Ellen White e eles é ainda maior. Dois princípios de Ellen White em Spiritual Gifts, considerados por McMahon como não-confirmados, são os seguintes: não use fermento no pão, e em geral tome apenas duas refeições por dia. Em contraste, eis uma amostra dos princípios não-confirmados de outros reformadores: não aqueça sua casa; se quiser comer carne, coma-a crua; não console as crianças, pois chorar lhes faz bem; não deixe as crianças comerem frutas; não beba água, apenas coma frutas que a contenham; não use sal; use pouca roupa quanto está frio; não use sabão; tome apenas dois banhos por semana; a atividade sexual entre marido e mulher é prejudicial à saúde; as crianças não devem comer batatas; e evite odores fortes (mesmo os agradáveis, como o perfume das flores).

Uma vez que Ellen White tinha pouca educação formal, e certamente nenhuma formação médica, como sabia ela que não deveria utilizar aqueles princípios que podem até ter parecido válidos 150 anos atrás, mas que hoje são reconhecidamente muito equivocados? E onde foi que ela conseguiu os muitos princípios que os outros reformadores de saúde jamais defenderam? Esse último ponto é particularmente importante, porque os princípios que lhe são exclusivos têm um grau de precisão muito maior do que os princípios encontrados em seus escritos e nos de um ou mais dos outros reformadores da saúde. A precisão de seus princípios de saúde não pode ser derivada de nenhuma fonte disponível em qualquer época da vida dela. Isso parece refutar a hipótese número 1 acima, e é consistente com a hipótese de número 2 — comunicação de uma fonte extra-humana. Alguém tem outra explicação?

Após escrever Spiritual Gifts, Ellen White diz que leu as publicações de outros reformadores, e usou parte desse material. Isso pode explicar porque seu percentual de princípios de saúde confirmados no livro Princípios de Saúde, publicado em 1905, caiu de 96% para 87%. Mesmo assim, os princípios não-confirmados no Princípios de Saúde são idéias discutíveis, mas que não incluem qualquer dos princípios estranhos defendidos por outros reformadores da saúde.

Até agora tenho discutido os “ques”, mas os “porquês” apresentam um quadro diferente que revela algo acerca da natureza da inspiração. Os “porquês” de Ellen White não são mais corretos que os “porquês” de outros reformadores, e por isso eles parecem vir de uma fonte de informação diferente. Parece que Deus nos deu os princípios de um viver saudável que haverão de melhorar nossa qualidade de vida, mas deixou que encontrássemos por nós mesmos as explicações fisiológicas. E, de fato, teria quase sempre sido impossível dar explicações fisiológicas corretas para muitos dos princípios de saúde no século dezenove, usando terminologia médica e conceitos que não se tornaram conhecidos senão na segunda metade do século vinte.

Princípios de saúde como “beba muita água” ou “não beba álcool” são fáceis de comunicar e entender em qualquer momento da história, embora não se conheça as razões corretas para eles. Nossa vida e relacionamento com Deus serão beneficiados se seguirmos os princípios de vida que Ele nos deu, mesmo que não lhes entendamos as razões.

Ellen White e os princípios das relações sexuais

Os críticos de Ellen White argumentam que ela defendeu conceitos desequilibrados sobre as relações sexuais entre marido e mulher, mas isso parece estar baseado numa leitura desatenta de seus escritos. Em seus dias, era comum os reformadores da saúde defenderem uma restrição do contato sexual a uma vez por mês. Contrariamente ao que Numbers dá a entender, Ellen White nunca defendeu tal coisa. Ela, de fato, discute problemas causados por “paixões animais”, esposos “piores que os brutos” e defende que as esposas devem tentar desviar a mente de seus maridos da “gratificação das paixões pecaminosas”. Para entender o que ela está condenando, temos de saber que tipo de relação descreve. Está ela condenando as relações sexuais normais entre cônjuges que se amam de forma altruísta, carinhosa e com mútua compreensão? Ou estará ela descrevendo o comportamento insensível de esposos egoístas, exigentes ou talvez até mesmo algum tipo de comportamento abusivo?

Ela escreveu numa época em que assuntos sexuais não eram discutidos tão abertamente como hoje, mas um estudo cuidadoso de seus escritos demonstra claramente que as “paixões animais” que ela condena estão na segunda categoria acima descrita. Quando comparamos as descrições de um relacionamento no qual o marido é governado pelo verdadeiro amor, com as características ou resultados de “paixões animais” ou maridos “piores que brutos”, há uma diferença dramática entre as duas listas. Ela está falando da qualidade do relacionamento conjugal e não da freqüência do sexo. Um homem tentou obter a aprovação de Ellen White para um tratado que defendia a idéia de que sexo deveria se limitar à procriação. Assim que ele terminou de falar, ela disse apenas: “Vá para casa e seja um homem”. Ele entendeu o recado e não publicou seu tratado.

Conclusões

Deus nos permite fazer escolhas e aceitar suas conseqüências. Isso inclui as que cada um de nós faz acerca de nossa visão da inspiração. Todavia, se uma pessoa questiona a Bíblia ou os escritos de Ellen White, temos o direito de esperar que tal questionamento esteja baseado numa pesquisa acadêmica de alta qualidade. Os críticos de Ellen White aqui discutidos basearam seu trabalho em métodos de pesquisa inadequados e numa lógica equivocada, e temos o direito de não concordar com suas ilações.

A pesquisa de Don McMahon, de longe a mais cuidadosa e objetiva sobre esse assunto, indica que a alegação de que os princípios de saúde de Ellen White foram copiados de outros reformadores, não é nem um pouco realista. Seguir esses princípios é mostrar nossa gratidão ao Criador, que Se interessa não apenas pela nossa salvação, mas também quer ajudar-nos a levar uma vida mais saudável e feliz. Esses dons divinos são outorgados livremente por Sua graça. A exatidão que vemos nos princípios de saúde dados por Deus pode também nos encorajar a confiar em outros assuntos por Ele revelados — ouvir e crer na comunicação de Deus a nós por meio de Seus mensageiros. Em Sua bondade, Ele tem enviado mensagens que nos impedem de ser enganados pelo inimigo da raça humana.

Leonard R. Brand (Ph.D. pela Cornell University) é professor de Biologia e Paleontologia na Universidade de Loma Linda, Loma Linda, Califórnia, EUA. Seu e-mail: lbrand@llu.edu.


REFERÊNCIAS

1 Leonard Brand and Don McMahon, The Prophet and Her Critics (Nampa, Idaho: Pacific Press Publ. Assn., 2005).

2 Ibid; Don S. McMahon, Acquired or Inspired? Exploring the Origins of the Adventist Lifestyle (Warburton, Australia: Signs Publishing Co., 2005). Includes a CD with all the authors’s research data and interpretations.

3 Walter Rea, The White Lie (Turlock, California: M & R Publications, 1982).

4 Jonathon Butler, “The World of E. G. White and the End of the World”, Spectrum, 10 (2): 2-13 (1979).

5 Ronald Numbers, Prophetess of Health: A Study of Ellen G. White (New York: Harper and Row, Publishers, 1976).

6 Ellen G. White, The Great Controversy, Introduction (Mountain View, California: Pacific Press Publ. Assn., 1911).

7 Butler.

8 Numbers, pp. 80, 81.

9 Brand and McMahon, p. 41.