Os registros da História Sagrada revelam que, em muitas ocasiões e circunstâncias, a integridade dos profetas foi posta à prova e investigada por inúmeras pessoas imbuídas do propósito de criticar, censurar e condenar o exercício desse ofício sagrado. Dentre os muitos exemplos de profetas bíblicos que foram alvo de críticas, destacamos os seguintes:
JESUS — “Responderam-Lhe os judeus: Não é por obra boa que Te apedrejamos, e sim por causa da blasfêmia, pois, sendo Tu homem, Te fazes Deus a Ti mesmo” (Jo 10:33).
“Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-Lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus” (Jo 5:18).
“Muitos deles diziam: Ele tem demônio e enlouqueceu; por que O ouvis?” (Jo 10:20).
“Então, os judeus se maravilhavam e diziam: Como sabe este letras, sem ter estudado?” (Jo 7:15).
Moisés — “E se ajuntaram contra Moisés e contra Arão e lhes disseram: Basta! Pois que toda a congregação é santa, cada um deles é santo, e o Senhor está no meio deles; por que, pois, vos exaltais sobre a congregação do Senhor?” (Nm 16:3).
Sou um homem mudado. Nunca mais serei o mesmo. – Vincent Ramik
Jeremias – “Então, falou Azarias, filho de Hosaías, e Joana, filho de Careá, e todos os homens soberbos, dizendo a Jeremias: É mentira isso que dizes; o Senhor, nosso Deus, não te enviou a dizer: Não entreis no Egito, para morar. Baruque, filho de Nerias, é que te incita contra nós, para nos entregar nas mãos dos caldeus, afim de nos matarem ou nos exilarem na Babilônia” (Jr 43:2, 3).
Paulo — “Dizendo ele estas coisas em sua defesa, Festo o interrompeu em alta voz: Estás louco, Paulo! As muitas letras te fazem delirar!” (At 26:24).
“Porém, não os encontrando, arrastaram Jasom e alguns irmãos perante as autoridades, clamando: Estes que têm transtornado o mundo chegaram também aqui” (At 17:6).
“Estais vendo e ouvindo que não só em Éfeso, mas em quase toda a Ásia, este Paulo tem persuadido e desencaminha do muita gente, afirmando não serem deuses os que são feitos por mãos humanas. Não somente há o perigo de a nossa profissão cair em descrédito, como também o de o próprio templo da grande deusa, Diana, ser estimado em nada, e ser mesmo destruída a majestade daquela que toda a Ásia e o mundo adoram” (At 19:26, 27).
Todos os exemplos citados acima revelam, de modo convincente que, nas mais variadas épocas, os profetas bíblicos (canónicos) tiveram que aprender a conviver com as adversidades do espírito crítico. Sua integridade foi constantemente provada em diferentes circunstâncias e experiências. E quanto aos profetas modernos? Ellen G. White, por exemplo? Foi ela alvo de críticas por parte de seus adversários? Foi sua integridade pessoal, bem como a integridade de seus escritos, provada durante os setenta anos de seu ofício profético?
Atualmente, alguns críticos dentro e fora da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) escrevem livros, artigos e matérias na internet com o propósito de questionar o ministério profético de Ellen G. White. De acordo com o Dr. Jemison1, as críticas mais comuns dizem respeito às seguintes questões: (a) desordem nervosa; (b) falsos ensinos; (c) plágio; (d) profecias não cumpridas e (e) aspectos da vida pessoal.
Razões para críticas – Quando analisamos mais detidamente o assunto, verificamos que as mesmas críticas dirigidas aos profetas bíblicos foram direcionadas a Ellen G. White, o que revela um paralelismo entre ambas as realidades, em circunstâncias e épocas completamente diferentes. Muitas críticas dirigidas a ela se manifestam numa cadência cíclica. As acusações levantadas, hoje, não são novas. De fato, tiveram início no começo do ministério dela e continuaram ao longo de sua vida. E muitas delas persistem mesmo após sua morte.
Quando uma nova geração entra em cena, os críticos suscitam temas antigos – algumas vezes com novas roupagens. Essas gerações, inconscientes de que se trata de “temas antigos” e de que já foram completamente respondidos no passado, muitas vezes se assustam e se julgam enganados. Alguns vão mais longe: ao negar sua crença em Ellen White como profetisa genuína, acabam por abandonar a igreja.
De acordo com o Dr. Herbert E. Douglass2, há pelo menos sete motivos tidos como principais agentes causadores das críticas e acusações à vida e obra de Ellen G. White: 1) os que rejeitam qualquer pessoa que afirme ser um profeta moderno, inclusive Ellen G. White; 2) os que deixam de utilizar as regras de interpretação básicas e comumente aceitas; 3) os que confiam em rumores e boatos sem nenhuma evidência documental para suas alegações; 4) os que veem mudanças editoriais nos escritos de um profeta e as chamam de “supressões”; 5) os que ficam perturbados com a aparente dependência literária; 6) os que carregam consigo pressuposições pessoais sobre a maneira de um profeta atuar [acreditam, por exemplo, que os profetas “devem ter conhecimento completo” desde o início de seu ministério; suas predições devem ser inalteráveis; seus escritos precisam estar isentos de erros, discrepâncias e equívocos, e jamais incluir fontes não inspiradas; para eles, os profetas nunca expressam opiniões meramente pessoais em seus escritos]; 7) os que aceitam Ellen White como escritora devocional inspirada, mas rejeitam seu ministério teológico.
Os mais acirrados críticos de Ellen G. White se apegam normalmente a um ou dois itens dessa lista. Na visão do Dr. Coon3, “de todos os assuntos considerados problemas”, talvez dois deles tenham causado mais impacto para destruir a confiança na credibilidade de Ellen G. White como profetisa do Senhor: 1) questionamento de afirmações de natureza científica, que motivaram sarcasmo e dúvidas por parecerem contrárias à forma em que a ciência vê esses assuntos hoje e 2) alegação de “plágio”.
Portanto, pode-se notar que grande parte das críticas direcionadas a Ellen G. White tem sua raiz ligada à questão da dependência literária, ou seja, plágio. De acordo com o dicionário4, a palavra plágio indica uma “cópia fraudulenta do trabalho de outrem que um autor apresenta como sua“.
Nesse ponto, é de vital importância diferenciar tecnicamente dois termos: plágio e empréstimo literário. É necessário fazer distinção entre plágio (que Ellen G. White não cometeu) e “empréstimos literários” (prática adotada por ela e usada repetidamente pelos escritores da Bíblia). A seguir, apresentamos uma breve distinção entre esses termos.
Plágio – Na concepção do Dr. Roger Coon5, há plágio quando um escritor toma propositalmente o material literário de outro escritor e o transforma para seu próprio uso (tipo de “apropriação” literária). Tal atitude visa a persuadir o leitor de que ele – o “copiador” – é na verdade o criador original dessas palavras e ideias. Em suma, plágio é uma literatura mascarada no que diz respeito à identificação do verdadeiro autor.
Empréstimo literário – É caracterizado o empréstimo literário quando um escritor utiliza e emprega as ideias (às vezes, até a fraseologia) de outro escritor para reforçar determinado aspecto, a fim de salientar uma ideia em seu texto. Sendo assim, de acordo com as leis literárias, a prática do empréstimo literário não constitui plágio.
Muitos insinuam que grandes porções dos escritos de Ellen G. White são produto da mente e literatura de outras pessoas. Partindo dessa premissa, perguntamos: Tal acusação tem fundamento? A seguir, apresentaremos alguns argumentos que refutam essas insinuações. Em 1981, a Igreja Adventista do Sétimo Dia se posicionou favoravelmente a uma análise técnica, após sucessivas acusações quanto à prática de plágio nos escritos de Ellen G. White.
Então, a Associação Geral contratou os serviços de um advogado especialista em leis de direitos autorais, Dr. Vincent Ramik, a fim de saber se Ellen G. White era ou não culpada de tais denúncias. Primeiramente, Ramik foi informado de todas as acusações contra Ellen G. White e foram-lhe passados todos os documentos de defesa preparados pela Igreja, bem como os livros de Ellen G. White que eram objeto de acusações de plágio. Em sua primeira leitura, Ramik ficou inicialmente inclinado em favor da posição dos críticos. Mas, depois de investir cerca de trezentas horas no estudo de mais de mil casos de lei literária norteamericana (1790-1915), Coon descreveu o processo de análise do Dr. Ramik6 da seguinte maneira: (a) Ele também dedicou tempo considerável à leitura dos livros de Ellen White, especialmente O Grande Conflito; (b) apesar de Ramik ser um católico romano por persuasão religiosa, não se sentiu ofendido nem afrontado pelas referências no Grande Conflito em relação à instituição do papado.
O Dr. Ramik obteve os resultados de suas análises após algumas semanas de intenso trabalho e estudo. Então, ele preparou um documento com cerca de 50 páginas. Eis uma síntese de suas conclusões:
a) Ellen White não pode ser acusada de plagiadora; “tal afirmação não procede”.
b) Creio que os críticos perderam uma grande oportunidade de focalizar sua atenção nas mensagens de Ellen G. White, em vez de focar apenas nos seus escritos.
c) Ellen White usou escritos de outros autores, mas a maneira em que ela os utilizou foi única e pessoal, de forma ética e legal. Portanto, ela está dentro dos padrões legais “do uso correto” de materiais de outros autores.
d) Ellen White [usou]… palavras, frases, sentenças, parágrafos, sim, e mesmo páginas dos escritos de outros autores. Porém, ela permaneceu dentro dos parâmetros legais e em todo o tempo ela criava algo que era substancialmente maior (e ainda mais belo) do que a soma das partes dos conteúdos de seu empréstimo literário. E penso que a tragédia maior é que os críticos deixaram de ver esse detalhe.
e) No fim do processo, o advogado deu seu testemunho pessoal sem que tenha sido solicitado a fazê-lo: “Sou um homem mudado. Nunca mais serei o mesmo.” – Vincent Ramik*.
Além do estudo conduzido por Ramik, destacamos a pesquisa feita pelo Patrimônio Literário Ellen G. White, que se tornou conhecida como “Projeto Surpresa“7. No mesmo ano de 1981, Tim Poirier, arquivista do Patrimônio White, recebeu uma coleção completa de todos os escritos de Ellen White publicados em inglês. Ao recebê-los, foi-lhe solicitado que: (a) Tomasse nota, nas margens, de todas as referências aos conteúdos de autores citados por Ellen White, trechos evidentes ou paráfrases; e (b) reunisse todas as descobertas dos críticos de Ellen G. White (plágio), para ser avaliadas. O objetivo dessa tarefa era descobrir paralelos literários entre os escritos dela e os de outros autores. O “Projeto Surpresa”, concluído em cinco anos, foi designado dessa maneira porque não importava o quanto fosse encontrado. Se Ellen White tivesse tomado emprestado, muito ou pouco, isso, sem sombra de dúvidas, seria uma “surpresa” para alguns da igreja. Em 1986, Poirier apresentou o relatório de sua pesquisa, cuja síntese revelou o seguinte:
- A maior porcentagem de empréstimos literários foi encontrada no livro O Grande Conflito – 20,16%.
- No livro Sketches From de Life of Paul (Relatos da Vida de Paulo) – 12,23%.
- No restante dos livros incluídos nesse estudo, foram encontrados 2% ou menos, do total de empréstimos literários. (Ver box abaixo.)
Possíveis razões para o uso de “empréstimo literário”
1. Para ajudá-la a expressar melhor as ideias e verdades reveladas em visões – (a) Educação formal limitada [conforme declarações do filho William C. White]; (b) Quantidade limitada de tempo disponível para escrever a visão total de seu ministério.
2. Suplementar detalhes não dados a ela em visão – (a) Ela se o brigava a fazer pesquisas após as visões para a primorar o texto. Ex.: Detalhes históricos, geográficos, cronológicos, etc. (b) Ela usou materiais históricos para ilustrar e não para provar (intenção).
3. Embelezar os elementos literários com bonitas pérolas de pensamento – (a) Razões estéticas: beleza pelo seu próprio objetivo; (b) Razões de respeito: para honrar a Deus; (c) Razões psicológicas: como dispositivo pedagógico para impressionar a memória.
4. Explicar as posições doutrinárias da IASD para nosso povo – (a) Relatos da situação das Conferências Sabáticas de 1848-50 foram entendidos em consenso, (b) Todos contribuíram e se sentiram livres para usá-los posteriormente.
5. Possível exercício do subconsciente de eventual memória fotográfica de Ellen White – (a) Durante a semana, ela lia artigos de vários autores; (b) No sábado, falando de modo improvisado, sem anotações, ela refletia algumas das verdades expressas por outros autores não inspirados
As conclusões de Poirier lançaram por terra as declarações públicas de um dos maiores críticos de Ellen G. White quanto à questão de plágio, Dr. Walter Rea, autor do livro The White Lie. Nessa obra, ele afirma que ela havia usado cerca de 80 a 90% de empréstimos literários.
Conclusão – Na visão do Dr. Pfandl9, “Ellen White lia muito. Além disso, tinha memória retentiva [fotográfica], o que significa que frequentemente ela usava conteúdos de materiais que tinha lido sem se reportar a sua biblioteca para encontrar a fonte exata de onde ela havia retirado tal empréstimo literário”. Ainda assim, Deus lhe revelara “que ao ler os livros e periódicos religiosos, ela encontraria gemas preciosas de verdades expressas numa linguagem aceitável e que ela receberia auxílio celestial para reconhecê-los e separá-los dos resíduos de erros que por vezes pudesse encontrar”.10
Ao enfatizar a importância do uso de ideias de outros pensadores no livro O Desejado de Todas as Nações,11 ela afirmou: “O mundo tem tido seus grandes ensinadores, homens de cérebro gigantesco e dotados de admirável capacidade de investigação; homens cujas declarações têm estimulado o pensamento e aberto à visão vastos campos de conhecimento; e esses homens têm sido honrados como guias e benfeitores de sua raça. Alguém existe, porém, que os supera a todos. A todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus. “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigénito, que está no seio do Pai, é quem O revelou” (Jo 1:12 e 18). Podemos seguir os passos dos grandes homens do mundo até onde se estende o registro da história humana; a Luz, porém, existia antes deles. Como a Lua e as estrelas de nosso sistema solar brilham pelo reflexo da luz do Sol, assim, no que há de verdadeiro em seus ensinos, refletem os grandes pensadores do mundo os raios do Sol da Justiça. Toda jóia de pensamento, todo lampejo de intelecto, provém da luz do mundo.”
Em vez de tentar esconder as fontes literárias de onde efetuava seus empréstimos, Ellen G. White muitas vezes recomendava que as pessoas lessem os livros que ela utilizava para compor o conteúdo de seus escritos. Dessa forma, podemos inferir que sua obra como autora estava em comum acordo com os costumes de sua época. Como vimos, ela não quebrou nenhuma das regras de direitos autorais e sua conduta como autora foi moralmente correta e ética.
Podemos afirmar que, durante os setenta anos de ofício profético, Ellen G. White jamais teve a intenção de enganar ninguém ao fazer emprétimos literários. Isso não afeta sua integridade nem põe em descrédito a genuína inspiração que a capacitou a ser considerada a Mensageira do Senhor. Podemos ressaltar que seu propósito foi sempre comunicar a Verdade a fim de exaltar e glorificar a Deus e conduzir leitores aos pés de Jesus Cristo.
RENATO STENCEL é diretor do Centro White-Unasp
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Bibliografia
1 Jemison, T. H. A prophet among you. Mountain View, CA: Pacific Press Publishing Association, 1955, p. 413. ↑
2 Douglass, H. E. Mensageira do Senhor. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, p. 468. ↑
3 Coon, R. Ellen G. White e “empréstimos literários”: A questão do plágio. Apostila do Curso de Mestrado em Teologia do SALT/SUL para a disciplina de Escritos de Ellen G. White. [Org] Renato Stencel: Engenheiro Coelho, SP, p. 116. ↑
4 Priberam, Dicionário da Língua Portuguesa on-line: http:/www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx. ↑
5 Coon, p. 116,117. ↑
6 Ibid, p. 122. ↑
7 Ibid, p. 122. ↑
8 Ibid, p. 123. ↑
9 Pfandl, G. The gift of prophecy – The role of Ellen White in God’s remnant church, Nampa, ID: Pacific Press Publishing Association, 2008, p. 86. ↑
10 White, E. G. Brief statement regarding the writings of Ellen G. White, reedição (St. Helena, Calif.: Elmshaven Office of the Ellen G. White Estate, 1935). Citado por Pfandl, G. The gift of prophecy -The role of EIIen White in God’s remnant church, Nampa, ID: Pacific Press Publishing Association, 2008, p. 86. ↑
11 White, E. G. O Desejado de Todas as Nações, Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, p. 464, 465. ↑
*Para aqueles que desejarem obter uma síntese do processo de condução do estudo e elaboração do documento do Dr. Vincent Ramik, queiram se reportar ao periódico Adventist Review de 17 de setembro de 1981, ou baixá-lo pelo seguinte site: http://www.adventistarchives.org/docs/RH/RH1981-38/index.djvu