Quem são os espíritos em prisão para os quais Jesus pregou, em I Pedro 3:18-21? O texto está falando da possibilidade de serem batizadas pessoas que já morreram?
Alberto R. Timm
Alguns comentaristas bíblicos identificam a pregação aos “espíritos em prisão” mencionada em I Pedro 3:19 como uma suposta pregação de Cristo, após a Sua morte e antes de Sua ressurreição, aos espíritos desencarnados dos antediluvianos. Outros chegam a propor que Cristo foi pregar, após Sua ressurreição, aos anjos maus que haviam sido desobedientes nos dias de Noé.
A primeira dessas teorias é inaceitável, pois contraria o claro ensino bíblico (1) de que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9:27); e (2) de que os mortos permanecem inconscientes na sepultura até o dia da ressurreição (ver Jó 14:10-12; Sl 146:4; Ec 9:5, 10; I Co 15:16-18; I Ts 4:13-15). Seria, portanto, completamente antibíblico pretender que Cristo, enquanto repousava na sepultura ou mesmo após Sua ressurreição, haja descido ao inferno para estender uma nova oportunidade de salvação aos pretensos espíritos desencarnados dos antediluvianos.
Já a teoria de que Cristo pregou, após Sua ressurreição, aos anjos maus que haviam sido desobedientes nos dias de Noé não consegue responder satisfatoriamente algumas questões básicas: que necessidade haveria de Cristo pregar aos anjos caídos, sendo que estes já não tinham mais acesso à salvação (Jd 6)? Como conciliar o fato de I Pedro 3:20 qualificar esses “espíritos em prisão” como havendo sido desobedientes “noutro tempo” com o conceito bíblico de que os anjos maus continuam desobedientes até hoje (Ef 6:12; I Pe 5:8)?
Analisando detidamente o conteúdo de I Pedro 3:18-21, percebe-se, em primeiro lugar, que a pregação “aos espíritos em prisão” foi levada a efeito por Cristo em Sua condição original glorificada. Esta interpretação é sugerida pela própria construção da frase “morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito” (verso 18). A expressão grega traduzida como “vivificado no espírito” (verso 18), tomada isoladamente, pode ser vertida também como “vivificado pelo Espírito” (com referência ao Espírito Santo). Mas quando aplicada especificamente a Cristo, e usada em contraste com a expressão “na carne”, a tradução mais apropriada é “vivificado no espírito”.
Nesse caso, “morto sim, na carne” refere-se à condição de humilhação de Cristo durante Sua encarnação; enquanto “vivificado no espírito” é uma alusão ao Seu estado original de exaltação, reassumindo após Sua ressurreição (Rm 1:3-4; I Tm 3:16). Assim, o fato da pregação “aos espíritos em prisão” ser associada no verso 19 ao Cristo “vivificado no espírito” nos impede de ver qualquer cumprimento dessa pregação durante o Seu estado de humilhação ou encarnação.
Já os “espíritos em prisão” (verso 19), que foram o alvo da pregação de Cristo, são identificados no verso 20 como sendo os “desobedientes” antediluvianos dos “dias de Noé”. O termo “espírito” (grego pneuma) é usada neste texto, e em outras partes do Novo Testamento (I Co 16:18 e Gl 6:18), como uma referência a pessoas vivas capazes de ouvirem e aceitarem o convite da salvação. Por sua vez, a expressão “em prisão” refere-se obviamente, não a uma prisão literal, mas à prisão do pecado em que se encontra a natureza humana carnal não regenerada (ver Rm 6:1-23; 7:7-25).
Diante disso, somos levados à evidente conclusão de que a pregação de Cristo aos antediluvianos impertinentes foi efetivada através de Noé “divinamente instruído” por Deus (Hb 11:7) e qualificado pelo próprio apóstolo Pedro como “pregador da justiça” para os seus contemporâneos (II Pe 2:5).
Pedro evoca, então, à lembrança a analogia de Cristo entre os “dias de Noé” e os últimos dias (ver Mt 24:37-39). Assim como Noé e sua família foram salvos da morte “através da água” do dilúvio pela arca (I Pe 3:20), os cristãos são salvos da morte espiritual através do “batismo” “por meio da ressurreição de Jesus Cristo” (verso 21; ver Rm 6:4-14). Portanto, ovivas, que previamente se arrependeram de seus pecados (At 2:38) e creram em Jesus Cristo (Mc 16:15-16).
Fonte: Sinais dos Tempos, julho de 1997, p. 29 (usado com permissão)