Qual o significado da declaração “tudo o que se move, e vive, ser-vos-á para alimento”? (Gn 9:3)
Alberto R. Timm
Algumas pessoas encaram essa declaração divina a Noé, após o dilúvio, como autorização ao consumo, sem quaisquer restrições, de toda espécie de animais limpos e imundos. Mas essa interpretação não é sancionada pelas normas e práticas alimentares encontradas nas Escrituras.
A distinção entre animais “limpos” e “imundos” já era conhecida por Noé antes do Dilúvio, pois o próprio Deus havia feito essa distinção ao mencionar os animais a serem preservados na Arca (ver Gn 7:2 e 8). Após sair da Arca, Noé ofereceu holocaustos ao Senhor exclusivamente “de animais limpos e de aves limpas” (Gn 8:20). Embora animais limpos fossem sacrificados ao Senhor desde a queda dos nossos primeiros pais (Gn 3:21 e 44), foi somente após o Dilúvio que o consumo de alimentos cárneos foi permitido, pois grande parte dos vegetais havia sido destruída (ver Gn 1:29; 9:1-6).
Se a intenção em Gênesis 9:3 fosse eliminar toda e qualquer distinção entre animais limpos e imundos, isso certamente apareceria nas discussões bíblicas posteriores sobre o assunto. Isso, porém, não ocorre. Mesmo se Gênesis 9:3 houvesse liberado temporariamente o consumo de animais imundos, o que não é o caso, essa hipotética permissão acabaria sendo desfeita eventualmente pelas leis de saúde registradas em Levítico 11:1-31, Deuteronômio 14:3-21 e outros textos bíblicos.
A própria determinação divina de preservar na Arca “sete pares” de cada espécie de animais limpos e apenas “um par” dos animais imundos (Gn 7:2) sugere que somente os animais limpos haveriam de ser oferecidos em sacrifício e consumidos como alimento. Como dos animais imundos foi preservado apenas um casal de cada espécie, bastaria que Noé imolasse o macho ou a fêmea de um casal que ainda não havia se reproduzido para acabar extinguindo definitivamente a respectiva espécie.
Devemos ser cautelosos na interpretação de “tudo o que se move, e vive”, para não acabarmos incluindo o próprio homem entre os alimentos cárneos divinamente sancionados, pois este também “se move, e vive”. Portanto, a expressão é uma mera generalização (semelhante à expressão “todo o mundo”, usada em português), que não desfez a distinção entre animais limpos e imundos já conhecida naquela época. Assim, após o dilúvio o homem poderia se alimentar também de animais limpos, em acréscimo aos vegetais que já vinham sendo consumidos desde a Criação (Gn 1:29).
Fonte: Sinais dos Tempos, novembro/dezembro de 1999. p. 29 (usado com permissão)